06/07/2015 19:09
A Grécia, sob o governo do partido de esquerda Syriza, decidiu por referendo popular não pagar as dívidas neste dia 5 de julho de 2015. Dias antes, em 27 de junho, o economista francês Thomas Piketty deu uma entrevista ao jornal alemão Die Zeit, de Hamburgo.“A Alemanha nunca pagou suas dívidas”, disse o autor do livro “O Capital no Século XXI”.
Em uma entrevista feita pelo jornalista Georg Blume, Piketty relembrou seus estudos a respeito da desigualdade econômica e aprofundou sua crítica aos planos de austeridade na União Europeia recorrendo à história recente.
“O passado da Alemanha, neste contexto, deveria ter um grande significado para os alemães de hoje. Olhe para a história das dívidas nacionais: Reino Unido, Alemanha e França já estiveram na mesma situação da Grécia atualmente, e eles já estiveram até mais endividados. A primeira lição que podemos tirar da história do endividamento governamental é que nós não estamos enfrentando um problema novo. Há muitas formas de pagar dívidas, e não apenas uma que Berlim e Paris quer que os gregos acreditem”, frisou o economista.
Piketty sinalizou que o povo grego não deveria se submeter aos interesses da Europa e especificamente dos alemães, que representam o maior interesse do bloco, baseando-se em seu próprio estudo de 200 anos de história macroeconômica em diferentes regiões globais, incluindo o Brasil. O calote dado não é, necessariamente, uma novidade. Piketty critica o excesso de concentração de renda, que pode ser prejudicial ao crescimento dentro do capitalismo.
“O que me afetou justamente quando eu estava escrevendo é que a Alemanha é realmente o melhor exemplo singular de um país que, no decorrer de sua história, nunca pagou sua dívida externa. Nem depois da Primeira ou da Segunda Guerra Mundiais” diz.
“No entanto, é frequente a pressão para que outros países paguem, como aconteceu depois da Guerra Franco-Prussiana de 1870, quando o Estado francês precisou de inúmeros reparos e os recebeu. O governo francês sofreu por décadas com essa dívida. A história das dívidas públicas é cheia de ironias. Raramente segue nossos ideais de ordem ou justiça”.
O economista reconhece que os gregos cometeram erros na condução econômica, mas considera as demandas alemãs de austeridade fiscal uma “piada”. Quando Hitler foi derrotado em 1945, a dívida pública da Alemanha era de 200% do seu PIB. Na década seguinte, em 1953, a conta caiu para 20% com o perdão de inúmeros credores, incluindo a própria Grécia e o Reino Unido. Do montante de dinheiro, o pagamento de 60% chegou a ser cancelado, com a renegociação do restante.
O economista se diz “vacinado do comunismo” porque é crítico com experiências como foi a União Soviética, mas ele não perde a oportunidade de questionar os modelos neoliberais ou excessivamente conservadores.
O DCM teve a oportunidade de entrevistar Piketty em novembro de 2014. “É justo alguém votar em Dilma porque recebe o Bolsa Família”, disse para mim o autor de O Capital do Século XXI, embora tenha reconhecido que faltam transparência no estado brasileiro e taxação das grandes fortunas.
Se a Alemanha não pagou dívidas, por que a Grécia deve pagar? O economista aponta que o perdão das dívidas é uma forma de preservar instituições democráticas que ele acredita fundamentais para garantir o futuro da sociedade. Essa preservação inclui a própria União Europeia e o euro, a unidade monetária que permanece ameaçada depois de praticamente sete anos de crise econômica no continente, que não afeta somente os gregos, mas também espanhóis e portugueses.
Para ele, a Alemanha lucra com grandes empréstimos que custam altos impostos aos países. A solução que se apresenta hoje seriam reuniões diplomáticas como as que ocorreram no final da Segunda Guerra.
A recessão grega, segundo os estudos de Thomas Piketty, foi de 25% do PIB, o que equivale à situação da França e da Alemanha entre 1929 e 1935, antes mesmo da ascensão de Adolf Hitler e da devastação da Europa.
“Não podemos impor que as novas gerações paguem por décadas pelos erros de seus pais. Os gregos, sem dúvida alguma, cometeram grandes erros. Nós temos que olhar para a frente. A Europa foi fundada no perdão das dívidas e no investimento do futuro, não numa ideia de penitência infinita. Precisamos nos lembrar disso”.