Os Mitos De Debate Público Trabalhista

22/07/2015 13:54

A empresa não é entidade beneficente que admite trabalhadores como ato de caridade; é uma corporação

O debate público sobre temas relevantes no Brasil está atualmente pautado em premissas cujas bases são de solidez extremamente questionáveis.

Reduzir a maioridade penal e a diminuição da criminalidade, proibir o debate de gênero nas escolas e o fortalecimento da família de casais heterossexuais, adotar o voto distrital e o aperfeiçoamento da democracia são exemplos de propostas para solucionar problemas e dos efeitos pretendidos nas quais a correlação entre ambos é de baixíssima efetividade, mas que se propagam como se fossem verdades absolutas.

No mundo do trabalho, as fórmulas mágicas para resolver situações complexas também existem e a mais difundida é a de que a flexibilização do direito do trabalho implica a geração de empregos.

O raciocínio que fundamenta essa ideia pode ser resumido da seguinte maneira: a legislação trabalhista é muito rígida e a redefinição dos critérios para a regulação da relação de trabalho estimularia os empregadores a contratar mais empregados.

Argumenta-se que as leis trabalhistas são datadas, não correspondem às demandas do mundo globalizado e devem se adaptar às mudanças que ocorreram no processo produtivo nos últimos 40 anos.

Inicialmente, é relevante pontuar que são inegáveis todas as inovações tecnológicas e organizacionais que impactaram o mundo do trabalho entre o final do século XX e o início deste século e que a promoção de um debate que fosse pautado no sentido de aperfeiçoar o direito do trabalho seria importante.

Contudo, o exame um pouco mais detido das propostas que flexibilizam o direito do trabalho demonstram que a consequência para o trabalhador, na grande maioria dos casos, é a supressão de direitos.

Ou seja, constrói-se um discurso que aponta a rigidez da legislação trabalhista como um problema e coloca-se a flexibilização do contrato de trabalho como solução, sendo que o teor dessa alteração retira direitos dos trabalhadores.

Pretende-se transmitir a ideia que a redução do valor pago ao trabalhador faria com que o empregador se tornasse mais propenso a contratar mais trabalhadores.

Algumas observações devem ser feitas diante desse raciocínio. Primeiramente, deve-se mencionar que a empresa admite trabalhadores em face da necessidade da realização de determinadas tarefas, sejam elas contínuas ou permanentes.

Existindo o número suficiente de trabalhadores para o desenvolvimento das atividades feitas pela empresa, não haverá motivo para o empregador contratar mais empregados, seja a legislação rígida ou flexível.

A empresa não é uma entidade beneficente que admite trabalhadores como um ato de caridade, mas uma corporação que necessita de mão de obra para que seja possível auferir lucro.

Evidentemente que pode haver situações nas quais o barateamento do custo do trabalho estimule o empregador a contratar algum trabalhador a mais.

Entretanto, a análise geral da situação indica que a diminuição do valor pago ao trabalhador não implica necessariamente no aumento do número de contratações.

O caso português é um exemplo interessante para se verificar a relação entre flexibilização do direito do trabalho e a geração de postos de trabalho. Em 2003 teve início um movimento de reformas trabalhistas em Portugal com o objetivo de diminuir a rigidez da legislação, o que foi aprofundado e consolidado com a promulgação do Código do Trabalho em 2009.

Por outro lado, os institutos de pesquisa locais demonstram que o número de desempregados em Portugal aumentou ininterruptamente entre os anos de 2000 a 2013, quando iniciou o período com 3,9% da população sem trabalho até atingir a taxa de 16,2%.

A configuração de um cenário na qual a flexibilização da legislação trabalhista não produz qualquer efeito positivo na contratação de trabalhadores por um determinado empregador tem como consequência somente a elevação dos lucros empresariais.

O caso alemão é outra experiência que merece ser estudada para se analisar a relação entre flexibilização e emprego. Em 2003 foi lançada a “Agenda 2010”, em que se introduziram diversas alterações que flexibilizavam as relações de trabalho, como o congelamento de salários, a criação de um modelo de baixa remuneração e a diversificação da terceirização.

O número de desempregados caiu na Alemanha: de 5 milhões para 2 milhões. Contudo, houve uma queda de 4,5% nos salários e um aumento da pobreza no país: antes das reformas, estavam nessa situação menos de 5% da população, ao passo que atualmente 15,5% dos alemães são pobres.

A caracterização de uma conjuntura em que a flexibilização do direito do trabalho tem a capacidade de elevar o número de postos de trabalho, mas sem alterar o grau de lucratividade das empresas irá produzir efeitos sociais negativos, com o aumento da desigualdade social.

É importante destacar que nos dois casos apresentados houve redução nos ganhos dos trabalhadores.

As consequências advindas dos processos de flexibilização acima mencionados pioram as condições de trabalho sob a perspectiva dos empregados e deslocam a balança da relação de trabalho de uma forma ainda mais incisiva em benefício do empregador.

Isso enfraquece o direito do trabalho, que tem como uma de suas principais funções a imposição de limites para a exploração da mão de obra alheia.

Portanto, o debate sobre mudanças na legislação trabalhista deve ser realizado de forma que todos os interesses em jogo sejam explicitados e que os efeitos das alterações pretendidas sejam analisados cuidadosamente, sob pena de o principal ator do direito do trabalho, que é o trabalhador, ser o maior prejudicado.

RENAN BERNARDI KALIL é procurador do Trabalho em Mato Grosso e mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP).

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