Rituais antiquados

14/08/2015 12:36

Em vez de cortar funcionários, as empresas poderiam descartar práticas anacrônicas.

Há cerca de um ano esta coluna chamou a atenção para o anacronismo da avaliação de desempenho, um dos rituais mais comuns e irritantes do mundo corporativo. Ninguém mais parece levá-la a sério, mas a prática se mantém nas empresas, ano após ano. Parece obra de forças ocultas ou entidade secreta, à sombra do Olimpo corporativo.

Agora, surge luz no fim do túnel. Em coluna recentemente publicada no jornal inglêsFinancial Times, Lucy Kellaway noticia com alegria que uma “explosão de bom senso” livrou milhares de funcionários da avaliação anual de desempenho. Em pauta, a decisão das gigantes de consultoria Accenture e Deloitte, de eliminar a prática.

Essas empresas aparentemente reconheceram o óbvio, o enorme tempo investido no processo não parece trazer benefícios expressivos. É significativo serem empresas de consultoria, conhecidas por viver da venda de boas e novas práticas de gestão, algumas delas nem boas nem novas.

A esperança é a onda de contaminar outras organizações e essas enviarem para o arquivo morto o notório e inócuo ritual. Na realidade, muitas organizações já o fizeram, discretamente. Em outras, permanece o faz de conta, não levado a sério por ninguém.

Se considerarmos, como sugere Kellaway, o custo de mobilizar milhares de pessoas em grandes empresas para coordenar, executar, compilar, analisar e tomar decisões, a aposentadoria gerará uma economia considerável. Isso, sem contar o fim dos efeitos colaterais: irritação, cinismo e sensação de injustiça.

Naturalmente, os consultores foram hábeis e evitaram dar um tiro no próprio pé. Em lugar de desqualificar a prática em processo de abandono, optaram por anunciar um passo à frente, a adoção de sistemas “instantâneos” de avaliação, mais sintonizados com os novos tempos.

Kellaway dá uma sugestão mais simples, de parar definitivamente com as avaliações de desempenho. “Contrate apenas gerentes bons em dizer às pessoas como elas estão se saindo, não uma vez por semana, mas o tempo todo. Se eles não conseguirem fazer isso, então não deveriam ser gerentes. Se conseguem, não precisam de um sistema de avaliação como muleta.”

A avaliação de desempenho é uma de várias práticas corporativas de contribuição duvidosa que as empresas implantam e mantêm sem nunca aferir se de fato ajudam ou atrapalham. Em muitas grandes organizações, a média gerência parece substituir o trabalho real por uma maratona de reuniões de planejamento, comitês de avaliação e preenchimento de relatórios com existência difícil de justificar.

O enorme tempo investido em avaliações de desempenho não traz benefícios expressivosO ciclo é conhecido. A empresa cresce, precisa se estruturar e melhorar o nível de controle. O caos é uma ameaça constante. Surge um burocrata bem-intencionado, uma consultoria voluntariosa e um diretor ávido por patrocinar um projeto de grande efeito. Adota-se a prática, treinam-se os algozes e as vítimas, e a coisa é lançada com pompa e circunstância. Nos primeiros anos, um rolo compressor constrange corações e mentes à adoção. Resistir não é uma opção. Com o passar do tempo, no entanto, a disciplina é relaxada, a prática se esvazia e é substituída pelo faz de conta. Sem ter quem a derrube, mantém-se por inércia e rouba tempo e energia.

O grande problema ocorre quando a empresa acumula práticas sobre práticas. O efeito é a ocupação crescente do tempo de trabalho com atividades que agregam pouco valor. O resultado é estresse, frustração e baixa eficiência. Os indivíduos acostumam-se com o estado das coisas, moldam suas atitudes e comportamentos ao status quo e tornam-se engrenagens da máquina que parece existir apenas para preencher o tempo livre com atividades inócuas.

Toda empresa precisa de boas práticas gerenciais e rituais. Eles conferem ordem e significado ao trabalho e devem ajudar na difícil tarefa de domar o caos do ambiente e das mudanças. No entanto, é preciso escolher com parcimônia o que adotar e saber descartar. Momentos de recessão e crise são especialmente oportunos para “limpar a casa”. Em lugar de cortar funcionários, os executivos poderiam “demitir” algumas práticas e rituais. Talvez fiquem alegremente surpresos com os resultados.

Por Thomaz Wood Jr. em Carta Capital

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