01/09/2015 13:16
Especialistas pedem maior investimento em tecnologia e políticas claras, que priorizem energias limpas e não apenas hidrelétricas, para escapar de um apagão no futuro.
O Brasil gera quase dois terços de sua energia a partir de hidroelétricas, uma matriz limpa, mas o momento atual deixa clara uma fraqueza deste modelo: a suscetibilidade às mudanças climáticas. Com diversos estados passando por crises hídricas, com reservatórios vazios ou perto disso, o governo se viu obrigado a recorrer às termelétricas, que geram uma energia mais cara e mais poluidora. Para solucionar este dilema, concluíram os especialistas reunidos no evento Diálogos Capitais: Energia em Debate, nesta segunda-feira 31, o Brasil precisa apostar em mais energias limpas e em eficiência.
Para Tania Cosentino, presidente da Schneider Electric para América do Sul, o País vive uma situação paradoxal. “A demanda por energia deve dobrar até 2050, no mundo. No entanto, acordos preveem que as emissões de dióxido de carbono devem diminuir pela metade. É um paradoxo cuja solução passa por ter mais eficiência energética”, afirma.
A Associação Brasileira de Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco) estima que o Brasil desperdiça todo ano o equivalente à produção de meia usina de Itaipu. “É muito desperdício para um país que possui uma das energias mais caras do mundo”, afirma Consentino. Para ela, é função do governo definir e incentivar uma política de eficiência energética. “A eficiência energética não é prioridade nem do empreendedor nem do governo. No Brasil, continuamos investindo apenas na expansão da oferta de energia”, completa.
A única forma de diminuir as perdas de energia é investindo em tecnologia. Ainda raros no Brasil, mas muito comuns na Europa, os programas governamentais de automação das redes de distribuição, chamados de Smart Grid, são cruciais para evitar o desperdício de energia.
Segundo Sergio Jacobsen, gerente-geral da Siemens no Brasil, com eles a rede de distribuição brasileira evitaria perdas, teria controle operacional e permitiria que fontes de energia intermitentes, como a solar, também alimentassem a rede. “Hoje, 6% da energia produzida no Brasil é roubada no caminho entre a usina e o consumidor”, afirma. “Isso seria completamente evitável com uma rede automatizada”.
O principal obstáculo para a modernização das redes distribuidoras é, segundo os especialistas, a omissão do governo federal. Para Paulo Bombassaro, diretor de engenharia da CPFL, sem uma regulação específica do governo, não haverá interesse do setor privado em implementar esta tecnologia. “No Brasil, o Smart Grid exige uma nova regulação que dê garantias às empresas. Quando uma empresa investe em uma tecnologia nova, ela assume um risco por essa inovação e os investimentos competem com os investimentos tradicionais, como a manutenção por exemplo”, afirma.
Além das perdas, o modelo de energia que é priorizado pelo governo também pode se tornar um problema no futuro. Alheio à crise econômica, o setor elétrico irá investir 186 bilhões de reais entre agosto de 2015 e dezembro de 2018 na expansão da geração e da transmissão de energia. No entanto, a maior fatia destes investimentos é voltada para as hidrelétricas, vulneráveis às crises climáticas.
A explicação para isso é a dificuldade de financiamento que as energias eólica, solar e de biomassa ainda possuem. “Há uma dificuldade em acessar financiamento durante a fase de construção e a desvalorização cambial também é um complicador, uma vez que a maioria dos equipamentos são importados”, afirma Renato Sucupira, presidente da BF Capital. “O último leilão solar, por exemplo, teve um um aumento do preço inicial porque os produtos são todos em dólar. Ou seja, o risco aumenta”, explica Sucupira.
Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, discorda. Para ele, os leilões realizados pelo governo garantem às empresas do setor uma lucratividade mesmo em um cenário de queda de demanda energética. “Nós tiramos o risco de mercado, ou seja, se houver uma recessão e cair a demanda por energia, por exemplo, garantimos a lucratividade do empreendedor pelos próximos 30 anos”, explica. “No entanto, outros riscos são do empreendedor e não podem ser atribuídos ao financiador”.
Em 2015, o dólar se valorizou mais de 20% frente ao real, o maior aumento desde 1999. Por isso, uma maior independência tecnológica é vital para assegurar uma política de energia renovável no País. Isto é o que pensa o superintendente de Energia do BNDES, Nelson Siffert. “O governo brasileiro trabalha para conjugar uma política energética junto com uma política industrial, ou seja queremos investir em diferentes matrizes energéticas, mas gerando emprego local”, explica.
Siffert afirma que o BNDES não irá financiar quem quer apenas importar e implantar tecnologia no Brasil. “Nossa linha de crédito protege o investidor da desvalorização cambial, mas em troca o obriga a investir na produção local e aquecer nossa economia”, explica.
Entre as dificuldade de se estruturar uma cadeia industrial no setor, o Nordeste surge como um exemplo de sucesso na implantação de energia solar e eólica. José Carlos de Miranda Farias, diretor-presidente da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), comemora o crescente interesse de investidores nos campos eólicos nordestinos, um dos mais propícios campos para a produção desta forma de energia do mundo.
A tendência de crescimento do investimento em energias limpas no Nordeste é puxada pelo Fundo de Energia do Nordeste (FEN). Criado em junho, o FEN dispõe de 13 bilhões de reais em investimentos para alavancar a produção de energia e terá como prioridade a região Nordeste.
“É um investimento expressivo cujo foco será a geração de energia eólica, que possui um enorme potencial no Nordeste”, afirma Miranda. Além de este tipo de energia, o diretor-presidente da Chesf também disse já estar em curso investimentos em projetos de energia solar e de biomassa. “Queremos aproveitar todo o nosso potencial natural, inclusive os resíduos desperdiçamos pelo agronegócio e setor sucro-alcooleiro”, explica.
Em meio a um ambiente de crise econômica, o setor energético parece caminhar sem grandes quedas de investimento. No entanto, mais do que um problema de dinheiro, a matriz energética brasileira depende de políticas públicas claras para aumentar sua eficiência e avançar, sendo mais limpa e eficiente.
Por Marcelo Pellegrini em Diálogo de Capitais no Carta Capital