26/09/2015 15:35
A decisão do Supremo de banir doações financeiras de empresas aos partidos políticos provoca a ilusão de pôr um fim à corrupção nas eleições.
Por larga margem de votos, o Supremo Tribunal Federal baniu do processo eleitoral brasileiro as doações financeiras de pessoas jurídicas para os partidos políticos. Das contribuições, agora vetadas, escoaram as somas volumosas de dinheiro que, legal e ilegalmente, irrigaram campanhas presidenciais e favoreceram também candidatos aos governos estaduais, ao Senado e à Câmara dos Deputados.
Adotando como ponto de partida o fim da ditadura, um período de quase 30 anos, as empreiteiras, os bancos e outras grandes empresas agiram de acordo com o suspeito sistema político brasileiro batizado de “franciscano”: é dando que se recebe.
São Francisco que os perdoe.
Esse ciclo civil inclui, para surpresa de ingênuos e sorrisos dos cínicos, a própria eleição indireta em 1985, de Tancredo Neves, azeitada com doações informais, conforme é contado no livro Jogo Duro, do empresário Mario Garnero.
As digitais de empreiteiros, banqueiros e outras espécies aparecem também nas contas oficiais, além das informais, dos candidatos vencedores em eleições diretas: Collor, FHC, Lula e Dilma.
Nesse jogo de toma lá dá cá, os doadores oferecem generosas contribuições para um lado e para o outro. Assim, acertam no ganhador. Os candidatos, por sua vez, operam dentro de um princípio anunciado pelo pensador italiano Norberto Bobbio: “O voto, como qualquer outra mercadoria, pode ser comprado”.
Vigiar o dinheiro, ao que parece, passou a ser uma obsessão da Justiça Eleitoral. Daí brotou uma floresta de leis e de normas incapazes de adequar ao processo a contribuição privada sem corrupção.
Foi uma falsa obsessão. Não se experimentou, por exemplo, a classificação do caixa 2 como crime punível de forma rigorosa. Os doadores ilegais seriam proibidos de transacionar com o poder público. Os políticos favorecidos seriam afastados da vida pública por um tempo ou para sempre.
A influência do dinheiro na eleição é avassaladora. Há uma justificativa teórica para isso. Não se conhece capitalismo com ética. A regra vale para qualquer sistema de poder político.
Na prática, o dinheiro pode criar falsos consensos, distorcer a representação e, como alertava o romancista José de Alencar, extorquir “a soberania popular”. A grana é uma contradição irremovível das eleições. Assim também acontece no financiamento público, se colocado à disposição de candidaturas privadas.
Esse tema chegou, em 2013, ao plenário do Supremo. A maioria dos ministros acompanhou a ventania conservadora que percorre o mundo ocidental e envolve o Brasil. Embora não exista ninguém capaz de se afirmar favorável à corrupção – quem souber levante o dedo –, os corruptos estão em todas as partes.
Um dos votos favoráveis à continuidade das doações foi o de Gilmar Mendes. Ele ficou um ano e cinco meses sem apresentar sua posição sobre o caso. Foi tempo suficiente para a passagem dos anos 2013 e 2014. Em 2015, a Câmara dos Deputados, sob o comando de Eduardo Cunha, aprovou projeto similar à regra vigente eliminada agora pelo veto à doação privada. Coincidência?
O veto pode ter duração temporária. Talvez até o momento em que se perceba que o jeitinho brasileiro é mais ardiloso do que supõe a filosofia do Supremo.
Por Maurício Dias em Carta Capital