Opinião – O que precisa ser feito para segurar o dólar

15/10/2015 00:19

Em artigo publicado em seu blog no Estadão, o jornalista João Villaverde levanta medidas que o governo poderia tomar para brecar a desvalorização do real ante o dólar. De acordo com economistas, a equipe econômica de Dilma Rousseff deve agir para evitar que o câmbio contagie ainda mais a inflação através de reajustes de preços cotados na moeda dos EUA.

Uma das medidas possíveis seria aplicar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o mercado, no intuito de diminuir a especulação com o o real, que tem tido papel importante nos movimentos bruscos das últimas semanas. Com o IOF, o governo também teria uma outra fonte de arrecadação.

Já a economista Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o governo não deve voltar a praticar a chamada “âncora cambial”, que em colocar a disposição do mercado o colchão de US$ 370 bilhões em reservas internacionais mantidas pelo Banco Central. Para a professora, “vender reservas somente faria deteriorar a credibilidade do Banco Central, porque teremos chegado na última alternativa. Quando acabarem as reservas, qualquer desvalorização adicional vai gerar uma crise cambial, que foi o que ocorreu entre 1998 e 1999”.

João Villaverde

A cotação do dólar foi de R$ 2,66 em fevereiro deste ano, saltou a quase R$ 4,20 em setembro e agora oscila em R$ 3,80. O que o governo pode fazer para evitar esses movimentos?

O governo Dilma Rousseff deveria intervir no mercado de câmbio para evitar que novas desvalorizações do real em relação ao dólar contagiem ainda mais a inflação por meio dos reajustes de preços cotados na moeda americana, como bens importados. Essa é a avaliação de economistas ouvidos pelo blog.

O governo poderia aplicar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o mercado, como forma de diminuir a especulação com o real, que, segundo eles, tem sido decisiva para os movimentos bruscos verificados nas últimas semanas. A estratégia também seria benéfica para as contas públicas, uma vez que o IOF engordaria em alguns bilhões de reais os cofres da Receita Federal.

Segundo a economista Laura Carvalho, doutora pela New School of Economics (EUA) e professora da Universidade de São Paulo (USP), o governo não deve, “em nenhuma hipótese”, voltar a praticar o esquema da chamada “âncora cambial”, como foi sugerido recentemente pela economista Mônica de Bolle, que inclusive recomendou para isso a venda intensa de dólares das reservas cambiais. A estratégia consistiria em colocar a disposição do mercado o colchão de US$ 370 bilhões em reservas internacionais mantidas pelo Banco Central, como forma de valorizar o real e, assim, reduzir os preços dos bens e serviços importados, diminuindo a inflação em 2016.

Vender reservas somente faria deteriorar a credibilidade do Banco Central, porque teremos chegado na última alternativa. Quando acabarem as reservas, qualquer desvalorização adicional vai gerar uma crise cambial, que foi o que ocorreu entre 1998 e 1999“, diz Laura, para quem a iminência do aumento de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), exige que o governo brasileiro volte a pensar em políticas de “regulação de capitais”.

O Fed está próximo de voltar a elevar as taxas de juros, que estão paradas há quase 9 anos em quase 0% ao ano. Um aumento dos juros nos EUA, segundo analistas privados e o próprio governo, deve provocar uma corrida de dólares hoje aplicados em países emergentes para os Estados Unidos. Seria um movimento de curto prazo, mas que pode marcar o início de uma nova rodada de desvalorização do real.

Uma regulação do mercado de câmbio para coibir a especulação poderia, inclusive, “ser facilmente apresentada” pelo governo ao mercado, entende o especialista Pedro Rossi, doutor e professor da Unicamp. Rossi, que está prestes a lançar um livro sobre o sistema cambial brasileiro, avalia que mesmo a baixa popularidade do governo não seria um impeditivo para a medida.

Não adianta dizer que tem reservas. Se começar a vender esses dólares, o BC será engolido pelo mercado. A taxa de câmbio no Brasil é especialmente formada pela especulação. Temos um mercado à vista e outro que é o interbancário. Ambos são bem regulados. Mas o mercado de derivativos é desregulado e lá que a taxa de câmbio é realmente definida“, disse Rossi, em referência às negociações diárias feitas por investidores na BM&FBovespa e na Cetip, ambas em São Paulo, com os chamados “contratos futuros” de câmbio. Grosso modo, os investidores fazem apostas sobre a cotação do dólar em um período futuro. “São apostas que se autorrealizam pelo próprio mercado“, diz Rossi.

É no mercado futuro que, até aqui, o BC tem atuado para controlar a cotação do real e atenuar movimentos bruscos. Desde o início do ano até 2 de outubro, o BC perdeu R$ 108,3 bilhões com a venda dos chamados “contratos de swap”. Pelos contratos, o mercado ganha sempre que o dólar sobe, enquanto o BC lucra quando a moeda americana cai. Somente em setembro, com a super desvalorização que levou o dólar para mais de R$ 4,10, o BC perdeu R$ 38,6 bilhões. “É claro que não é objetivo da política cambial dar perdas ou ganhos para o BC, mas fornecer proteção em dólar ao mercado. O problema é que o BC está apenas fornecendo instrumento de especulação do mercado contra o próprio BC. O melhor caminho é a regulação do mercado, pelo BC, e a cobrança, pelo Ministério da Fazenda, de IOF sobre o excesso da ‘posição comprada’ pelo mercado“, diz Rossi.

De acordo com Laura, Doutora em economia e professora da USP, o risco para a inflação em 2016 não é subir em relação ao patamar esperado para este ano, mas o de não cair tanto quanto poderia.

Em 2015, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve fechar próximo a 9%, impulsionado, segundo os economistas, pela combinação entre o reajuste generalizado de preços antes controlados pelo governo, como gasolina, energia elétrica e transportes públicos, e pelo repasse do real desvalorizado aos preços por meio dos importados. Já em 2016, quando não haverá mais fortes reajustes dos preços administrados e a recessão continuará na economia, havia no governo expectativa para o IPCA registrar uma alta próxima a 5,5%. O mercado, por outro lado, aposta que a alta será de 6,7% (acima do teto da meta, novamente, mas um aumento muito inferior ao de 2015).

Se o real voltar a se desvalorizar fortemente, como ocorreu até o fim de setembro, a inflação não cairá tanto em 2016. Mas não será maior do que neste ano, nada próximo de patamares muito elevados, como 15% ou 20%. Há um limite para o repasse do dólar para os preços e esse limite é a recessão“, disse Laura, para quem o aumento do desemprego e a queda da massa salarial diminuem o ímpeto do consumo das famílias e das empresas e, portanto, suavizam os reajustes de preços.

Em julho de 2011, o governo Dilma Rousseff aplicou uma inédita cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o mercado futuro de câmbio, na BM&FBovespa e na Cetip. O governo passou a cobrar uma alíquota de 1% sobre as posições vendidas no mercado futuro de dólar. Havia, naquele momento, um recorde histórico de US$ 24,6 bilhões do mercado apostando na valorização do real ante o dólar (a chamada aposta na “posição vendida”).Com o IOF, o governo conseguiu em apenas dois meses zerar essas apostas, o que ajudou a fazer o dólar subir gradativamente da cotação de R$ 1,60 no primeiro semestre de 2011 para acima de R$ 2,00 – era interesse do governo, naquele momento, desvalorizar o real para aumentar a remuneração dos exportadores. A cobrança do IOF no mercado futuro foi abandonada em junho de 2013, quando o real começou a se desvalorizar mais rapidamente por conta da piora dos indicadores fiscais brasileiros e dos sinais dados pelos Estados Unidos de que a política de estímulo econômico iniciada para combater a crise de 2008 poderia acabar.

Agora, segundo especialistas, o governo deveria retomar a mesma estratégia de 2011, mas na posição contrária. O movimento do mercado está excessivamente montado sobre a “posição comprada”, que aposta na desvalorização do real.

Para além das discussões sobre o que fazer ou não para controlar o dólar e seus efeitos sobre os preços, há um fato indiscutível: o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, até agora não conseguiu entregar a inflação na meta – e sequer passou perto disso.

Tombini assumiu o BC em 1º de janeiro de 2011 e continua no cargo até hoje. Supondo que Tombini ficará no cargo ao menos até o fim de 2016, ele terá passado seis anos no BC sem nunca ter levado o IPCA para 4,5% ou mesmo perto disso.

2011 – 6,5%
2012 – 5,8%
2013 – 5,9%
2014 – 6,4%
2015 – 9%
2016 – 5,8% (segundo projeta o governo) ou 6,7% (segundo projeto o mercado).

A última vez que o IPCA fechou um ano próximo da meta foi em 2009. Naquele ano, a inflação aumentou 4,3% (abaixo, até, da meta) e o presidente da autoridade monetária era o antecessor de Tombini, o economista Henrique Meirelles.

Por LUIS NASSIF em GGN

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