26/10/2015 12:15
Nesse sentido, o documento “Mudar para Sair da Crise…”, considera que a “elevação da taxa de investimentos poderá ser alcançada” por diretrizes que redesenhem “a política macroeconômica com o objetivo principal de acelerar o crescimento”.
As “políticas monetária, fiscal e cambial”, bem “como o Banco Central”, devem adequar-se “a esse objetivo”. A “recomposição da capacidade de financiamento do Estado é uma alternativa para o ajuste fiscal”, sendo possível “avançar na revisão dos incentivos fiscais, combate à sonegação, e reforma tributária”, porque “não há ajuste fiscal possível com elevação da taxa de juros básicos da economia que ampliam continuamente o endividamento e o gasto com juros”.
A partir daí, aponta a necessidade de construir “um novo pacto na sociedade acerca de formas alternativas de combate à inflação”. Isto é, adotar um combate “que libere a política monetária do fardo único de rebaixar o nível de preços”, e usar “mecanismos de controle do crédito e do câmbio, que não onerem a política monetária”.
A “construção deste novo pacto” passaria “por negociações políticas complexas”, tendo “como ponto de partida uma visão… acerca do projeto de desenvolvimento… proposto para o país”. O “convencimento dos agentes do mercado acerca da factibilidade de uma redução sustentada dos juros só ocorrerá caso o governo seja bem-sucedido em criar estes mecanismos alternativos de gestão macroeconômica…”.
Ou seja, o documento escorrega na ilusão de que as frações do mercado ligadas ao sistema financeiro sejam passíveis de convencimento em manter seus rendimentos com baixas taxas de juros.
Parece ignorar que no atual desenvolvimento capitalista corporativo, a especulação financeira de altos juros transformou-se em ação vital para evitar a tendência de queda da taxa média de lucro, indispensável para a reprodução ampliada do capital. Ao mesmo tempo em que a queda da taxa de juros pode estimular o instinto animal produtivo de algumas frações do capital, ela certamente também estimulará a reação desesperada da fração financeira.
Algo idêntico vai ocorrer se vingar a proposta a respeito de mudanças na estrutura tributária regressiva, invertendo o peso elevado de impostos indiretos (consumo e folha salarial) em relação aos impostos diretos (renda e patrimônio).
É provável que tais inversões só se tornem possíveis num quadro muito favorável de correlação de forças sociais e políticas, na qual as forças populares e democráticas tenham poder para se impor aos menos de 80 mil bilionários que centralizam a maior parte da renda e do patrimônio nacional.
O documento “Mudar para Sair da Crise…” também sugere “reforçar a conjunção de forças entre o governo, suas empresas… e o capital privado, para alavancar o investimento de infraestrutura e de inovação tecnológica por meio de parcerias público-privadas”. As concessões devem ser “adequadamente reguladas, com o resguardo dos interesses nacionais e populares”. O mesmo deve acontecer com “a associação do capital privado com o capital estatal na internalização e no adensamento de cadeias produtivas, inclusive no âmbito da América Latina”.
E propõe “direcionar o incentivo ao investimento com o objetivo primordial de alterar a estrutura produtiva, redirecionando-a para setores de maior agregação de valor e com ganhos de produtividade que elevem a competitividade externa, revigorem e modernizem o parque industrial brasileiro… de modo a preservar a continuidade da expansão do mercado interno com distribuição de renda e valorização do trabalho”.
Portanto, ao tratar da estratégia de elevação da taxa de investimentos, o documento parece desdenhar a importância dos investimentos externos, seja negativamente, para desorganizar as finanças nacionais e desnacionalizar empresas, seja positivamente, para instalar novas plantas produtivas, transferir novas tecnologias, e dar maior musculatura técnica e científica, tanto às empresas estatais quanto às empresas privadas nacionais.
Até hoje, os investimentos externos não mereceram qualquer tipo de regulamentação, seja para coibir investimentos indesejáveis, como os de curto prazo no cassino financeiro, seja para estimular aqueles direcionados para a industrialização, seja ainda para elevar o padrão científico e tecnológico das empresas de propriedade nacional. Continua intocada a velha política de portas escancaradas a qualquer tipo de investimento externo.
Portanto, a questão chave não reside em reconhecer “a importância da participação do Estado”, nem “dos bancos privados e, sobretudo, do mercado de capitais”. Ou considerar necessária a “continuidade do papel desempenhado pelo BNDES, CAIXA e Banco do Brasil”, a efetivação de “instrumentos indutores e de estímulo ao mercado de capitais”, nem buscar ampliar “o apoio de recursos de organismos internacionais”, incluindo “a constituição do banco de desenvolvimento dos BRICS”.
É fundamental detalhar o que significa “alterar a estrutura produtiva”, e quais os “setores de maior agregação de valor e com ganhos de produtividade que elevem a competitividade externa”, e como “preservar a continuidade da expansão do mercado interno com distribuição de renda e valorização do trabalho”.
Sem políticas claras sobre as cadeias produtivas estratégicas que devem ser priorizadas a cada momento, os bancos públicos, os bancos privados e, sobretudo, o mercado de capitais, inclusive o internacional, tenderão a priorizar aquelas áreas que lhes tragam maiores resultados no curto prazo.
Uma análise dos financiamentos públicos e privados, nacionais e externos, dos últimos 10 anos, pode demonstrar que os investimentos nos setores estratégicos da indústria e da infraestrutura foram negligenciados.
Portanto, definir políticas de desestímulo a investimentos de curto prazo e em áreas secundárias, e de estímulo a investimentos de médio e longo prazos em áreas estratégicas prioritárias de desenvolvimento industrial, deve constituir um capítulo importante do projeto nacional de desenvolvimento proposto para um Brasil justo e democrático, demandando uma discussão mais profunda e específica a respeito.
Por outro lado, e com razão, o documento propõe “a expansão sustentada do mercado interno de consumo de massas” como “um dos vetores de expansão do crescimento”, e que “a política social também (tenha) papel estratégico como força motriz do desenvolvimento”.
No entanto, ao não realizar a crítica das “obras de infraestrutura econômica e social previstas no PAC”, limitar o papel das estatais à “recuperação da capacidade financeira da Petrobras”, e restringir a “reestruturação da engenharia nacional” ao cartel das empreiteiras, o documento perde a oportunidade de associar de modo mais consistente o “investimento em infraestrutura” às demandas sociais mais gritantes.
É verdade que o investimento em infraestrutura constitui um dos principais “motores da retomada do crescimento econômico”. Também é verdade que, “na última década”, ocorreram tentativas de reverter esse quadro, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e dos investimentos do BNDES e demais bancos públicos. Houve “modernização de portos, dragagem, aumento da eficiência ferroviária e aumento de capacidade das rodovias”, construção de hidrelétricas etc.
Tudo isso era e é necessário. Como extremamente necessário era e é a reconstrução da infraestrutura urbana, onde hoje habitam mais de 85% da população brasileira, carentes de transportes decentes e baratos, saneamento básico, água potável, infraestrutura de educação e saúde, e moradias civilizadas. As preocupações do PAC estiveram muito mais voltadas para atender às exportações do que às carências populares.
Se quisermos ser coerentes com a ideia de “valorizar o trabalho”, será necessário dedicar esforços para definir mais claramente as prioridades de construção da infraestrutura do país, que sofrem pressões avassaladoras de interesses de grandes grupos econômicos, exportadores e rodoviários, para ficar apenas nos exemplos mais evidentes.
Texto de Wladimir Pomar é jornalista, escritor e membro do conselho de redação da Revista Teoria e Debate e do Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo.
Por Luiz Nassif em Jornal GGN