27/10/2015 01:28
Segundo o Informe sobre Riqueza Global 2015 do Credit Suisse, 34 milhões de pessoas, equivalendo a 0,7% do total da população economicamente ativa mundial, possuem mais de 1 milhão de dólares ou 45,2% dessa riqueza. Entre US$ 100.000 e US$ 1 milhão são 349 milhões de pessoas ou 7,4% da população com 39,4% da riqueza; entre US$ 10.000 e US$ 100 mil, um bilhão de pessoas ou 21% da população e 12,5% da riqueza; finalmente, com menos de US$ 10 mil, 3,386 bilhões (71%) só com 3% da riqueza!
A fortuna das 85 pessoas mais ricas equivale às posses dos 50% mais pobres do mundo. A Oxfam informa que 20% da população mundial vive com menos de US$ 1 por dia e 40% com renda inferior a US$ 2 por dia.
A concentração de patrimônio nos Estados Unidos atingiu seu pico em 1913 com 25% da riqueza em posse do 0,1% de famílias mais ricas. Após I Guerra Mundial, retomou a esse nível até o crashda Bolsa de Valores em 1929, e daí diminuiu até meados dos anos 70, atingindo 8%. A partir de então, aumentou mais 15 pontos percentuais até 2013. Na Era Neoliberal de permissividade com a autorregulação do mercado está voltando ao pico a concentração da riqueza norte-americana.
Lá, nos Estados Unidos, em 2014, ¾ do total da riqueza estava na posse dos 10% mais ricos. É menos do que na Rússia pós-soviética (85%), mas mais do que nos outros países do BRIC: a Índia (74%), o Brasil (73%) e a China (64%). Em todos os Estados de Bem-Estar Social – a Alemanha (62%), o Canadá (57%), o Reino Unido (54%) e o Japão (49%) – os 10% mais ricos tinham fatia menor.
Discute-se a possibilidade de um Imposto sobre Herança e/ou um Imposto sobre Doação ser um paliativo que serviria para atenuar o mal-estar social ou protelar uma revolta política provocada pela imensa desigualdade. No entanto, nos Estados Unidos esses tributos já existem com alíquota média de 29% e máxima de 40%. Na Alemanha, são respectivamente 28,5% e 50%, percentuais similares aos do Japão. Na Inglaterra, é unicamente 40%. Na França, sobre herança, o tributo médio é 32,5% e o máximo, 50%; sobre doação, 25% e 45%.
E no Brasil? O ITCMD é um tributo estadual que varia da média de 3,23% até o máximo de 8%. Porém, os outros países do BRIC não os adotam, com a exceção da Índia que cobra Imposto sobre Doação com médio de 15% e máximo de 45%.
Quanto ao Imposto sobre Grande Fortuna (IGF), o “efeito Depardieu” (fuga de capital) é mais provável, na medida em que pouquíssimos países o cobram. Na França, a alíquota máxima é de 1,5%, sendo aplicável apenas a indivíduos com fortuna líquida superior a € 1,3 milhão de euros ou R$ 5,566 milhões. No Brasil há 57.505 indivíduos com mais de R$ 3 milhões em riqueza financeira, no total de R$ 694 bilhões, e média per capita de R$ 12 milhões. Com mais de R$ 10 milhões há 8.842 e com mais de R$ 20 milhões, 3.902. Há 54 bilionários globais.
Na Índia, a alíquota máxima do IGF é de 1%, aplicável a indivíduos com fortuna líquida superior a 3 milhões de rúpias indianas. Na Noruega, é 1,1%. Na Suíça é 1,5%, mas os valores variam de acordo com os cantões. Na Alemanha foi abolido em 1997, no Luxemburgo em 2006 e na Suécia em 2007.
Na verdade, a Carga Tributária Bruta (CTB) no Brasil é similar à média dos 34 países da OCDE: 34,5% contra 34,1% do PIB entre 2008 e 2012. Esta CTB média no período na Rússia é um pouco maior: 36,7%. Mas China e Índia têm CTB média bem menor, em torno de 19-22% do PIB. Todos os países do BRIC adotam um Capitalismo de Estado, para tirar o atraso histórico em desenvolvimento socioeconômico, em vez do Capitalismo Liberal da OCDE.
Mas o que, de fato, diferencia o Brasil da média dos 34 países da OCDE é a estrutura tributária, isto é, a participação percentual de cada base de incidência na CTB. Aqui, a Tributação sobre Bens e Serviços (ICMS, ISS), que é regressiva, atinge 49,7%; lá, 32,9%. A Tributação sobre Renda e Lucros, progressiva, aqui é 17,8%; lá, 33,5%. Quanto aos demais tributos, sobre Segurança Social e Folha Salarial (INSS, FGTS, PIS-PASEP), suas participações são próximas: 26,5% contra 27,3%; sobre Propriedade (IPTU, IPVA, ITBI) também: 3,9% contra 5,4%. Outros tributos aqui somam 2,1%; lá, 0,9%.
Recentemente, com a divulgação dos Grandes Números da Declaração de Imposto de Renda (IR) de 2014 – AC 2013, tornou-se público que os “super-ricos” no Brasil representam só 0,3% do total de contribuintes do IR. Os 71.440 indivíduos que receberam no mínimo 160 salários mínimos (R$ 126.080,00) ao mês ou R$ 1,5 milhão no ano, obtiveram renda anual média, no ano-base de 2013, de R$ 4,170 milhões. Sem abater as dívidas, a média per capita de Bens e Direitos desta faixa mais rica atingiu R$ 17,7 milhões. O patrimônio líquido (contendo imóveis registrados em valores históricos) desse reduzido grupo equivalia a 22,7% de toda a riqueza em bens e direitos no DIRPF 2014/13. No entanto, o imposto de renda pago por essa faixa de rendimento acima de 160 salários mínimos equivale apenas a 6,51% de sua renda total.
Investigando mais um pouco essa DIRPF, os recebedores de lucros e dividendos, somados aos que recebiam rendimentos de sócios e titulares de microempresas (“CPF disfarçado de CNPJ”), totalizavam 2.100.823 declarantes. Entre aqueles “super-ricos”, havia 51.419 indivíduos com rendimentos isentos no valor total de R$ 161 bilhões (43% do total isento). Como os presidentes e diretores de empresas industriais, comerciais ou de prestação de serviços tinham R$ 178,5 bilhões isentos, provavelmente, são eles os pertencentes a aquela “casta de comerciantes-financistas”. Essa categoria profissional composta de dirigentes com 688.924 declarantes (32,8% do total desses isentos) era, disparadamente, a que tinha maior isenção do IR. Os 129.350 médicos (entre os 241.510 existentes, em 2010, 29% deles estavam no 1% mais rico da sociedade brasileira) situam-se em segundo lugar (R$ 24,6 bilhões isentos fora os “sem recibos”) e os 79.918 engenheiros, arquitetos e afins (R$ 19,3 bilhões isentos) em seguida.
Proprietário de empresa ou firma individual ou empregador-titular tinha 28% de rendimento tributável, 12% de tributável exclusivamente na fonte e o maior grau de rendimentos isentos (60%) por natureza de ocupação.
Um breve exercício: se elevasse de 6,51% de IR que os recebedores de mais de 160 salários mínimos pagam em relação à sua renda para 11,96%, que é o máximo pago em outra faixa (a de 20 a 40 salários mínimos), o fisco taxaria 5,45% sobre os R$ 161 bilhões isentos, o que daria R$ 8,8 bilhões. Mais 3,79% (11,96% – 8,17%) dos R$ 50,8 bilhões dos rendimentos isentos dos que recebem entre 80 e 160 salários mínimos aumentaria a arrecadação em R$ 1,9 bilhão. Esta contribuição de R$ 10,7 bilhões seria socialmente mais igualitária – e ajudaria o ajuste fiscal.
Artigo de Fernando Nogueira da Costa, Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor do livro “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail:[email protected].
Por Luis Nassif no JornalGGN