”Justiça” dos salários

06/02/2016 19:24

O poder absoluto da justiça em aumentar os seus próprios salários

O Judiciário brasileiro tornou-se um centro de privilégios revoltantes. Como ele é o juiz das próprias causas, vem legitimando uma série de benesses para si mesmo, encobertas como “direitos” em seus polpudos vencimentos, a exemplo de milhões de reais em auxílio moradia e auxílio educação. Só no caso do auxílio à moradia, algo injustificável porque todo cidadão brasileiro paga moradia a partir de seu próprio salário, o engenheiro Emanuel Cancella, num artigo recente, calculou uma despesa a ser acumulada com juízes, desembargadores e procuradores de cerca de R$ 20 bilhões a ser paga pelo Estado.

É uma situação repulsiva. Não há razão pela qual o Estado pague a juízes, desembargadores e procuradores auxílio moradia para si, e auxílio educação para filhos. São funcionários de alta classe média, com remuneração muito acima da média no país. Podem pagar muito bem por essas despesas. O artifício do auxílio é para contornar os limites constitucionais de vencimentos do setor público, aplicados aos outros. Mas chamar uma remuneração de auxílio, e não de salário, não altera a natureza do ganho. No fundo, trata-se de uma conspiração contra o povo. E isso vindo dos que deveriam ser os guardiães da Justiça.

Há algum tempo um jurista tentou me convencer de que não devíamos lutar por uma constituinte porque isso só deve acontecer num contexto de ruptura política. Argumentei com ele que essa ruptura já aconteceu, embora poucos a tenham percebido. Todas as principais instituições republicanas literalmente derreteram. Executivo, por causa da forma como são loteados os cargos públicos; Legislativo, por ter colocado um grupo de venais em seu comando; e Judiciário, por chafurdar na lama dos próprios privilégios – todos não mais merecem o respeito da cidadania, e devem passar por uma faxina em regra.

Esse derretimento atingiu níveis inferiores “independentes”, como o Ministério Público e a Polícia Federal, o primeiro extrapolando de suas prerrogativas, e a segunda assumindo abertamente um caráter partidário – como tem sido notório nas operações Lava Jato e Zelotes. Outro “derretido” é o TCU, do qual o próprio presidente está envolvido em corrupção milionária através do filho. No fim, não sobra nada. É preciso uma limpeza em regra nas instituições do Estado para que a sociedade volte a respeitar as elites dirigentes. Isso só pode acontecer no âmbito de uma constituinte, desde que se garanta um processo eleitoral justo.

O juiz Sérgio Moro, com salário de R$ 72 mil segundo a Carta Capital, pertence à categoria dos privilegiados do Judiciário que decidiram destruir grandes empresas de construção brasileira em nome do combate à corrupção. No caso da Petrobrás, dizem que recuperam mais de R$ 6 bilhões. Tomando isso como verdade, é menos de um terço dos ganhos a serem acumulados pelas categoriais judiciárias. As empreiteiras acusadas, que  ainda farão sua defesa, tem um legado extraordinário de obras, de hidrelétricas, de rodovias, de portos, no país e no exterior. Qual é exatamente o legado real a ser deixado pela Lava Jato?

Por se tratar de uma tese polêmica, a convocação de uma constituinte não entra nas propostas da Aliança pelo Brasil. Pessoalmente, vou lutar por ela. Não acredito que a sociedade brasileira, com suas imensas diferenças sociais, possa conviver eternamente com privilégios indecentes como os do Judiciário. No contexto legal da atual Constituição, isso não será possível mudar, mesmo com reformas constitucionais votadas no Congresso. O Judiciário derrubará as reformas alegando direito adquirido e inconstitucionalidade. Portanto, que os privilegiados do Judiciário se preparem: no momento oportuno cuidaremos deles!

 

Por J. Carlos de Assis  - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de “Os sete mandamentos do jornalismo investigativo”, Ed. Textonovo, SP, 2015.