Biografia de Eduardo Cunha

07/03/2016 04:20

A história de Eduardo Cunha, o aluno calado que virou presidente da Câmara dos Deputados e réu de uma das mais complexas operações da PF, a Lava-Jato.

 RIO — Era início de 1970 quando aquele menino franzino, de canelas e braços finos, ingressou no antigo primeiro ano ginasial, num colégio público carioca considerado de referência para os moradores da região da Grande Tijuca: o Ginásio Estadual Irã. Cosentino — nome do meio pelo qual era chamado principalmente pelos professores —, tinha 11 anos, e ficaria ali até os 15, para então rumar para o 2º grau em escolas particulares. Ninguém poderia imaginar, mas, 45 anos depois, o garoto se tornaria o deputado Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara dos Deputados e primeiro parlamentar em exercício do mandato a se tornar réu na Operação Lava-Jato, que investiga um esquema de corrupção na Petrobras.

— Ele era um bom aluno, calado, educado, que não sentava nem na frente nem no fundo da sala de aula. Ficava no meio, perto da janela — lembra a professora de português do Ginásio Irã Maria Helena Simões Caetano dos Santos, de 89 anos.

ÓCULOS FUNDO DE GARRAFA

Durante os últimos dois meses, o GLOBO consultou as mais variadas fontes para chegar ao passado até então oculto nas biografias de Cunha: seu período de adolescência na escola. Realmente, como disse a professora, o deputado sempre foi um bom aluno, nunca terminou o ano letivo com tinta vermelha no boletim. Mas as notas do primeiro ano ginasial, já indicavam que havia uma matéria predileta: Educação Moral e Cívica (EMC). Em 1970, Cosentino cravou um 9,2 como média final. E o bom desempenho nessa disciplina foi o acompanhando até ele se formar. A matemática era outro ponto forte do estudante: foi sua primeira média final 10 no ginásio, em 1972. Naquele ano, houve ainda um outro 10, em Artes.

Antes de seguirmos com a história do pequeno Cosentino, cabe um parêntese para os mais novos, que podem agora se perguntar: mas o que era essa tal de Moral e Cívica? Resumindo: estávamos numa época de regime militar e a disciplina havia sido criada por um decreto-lei de 1969, que definia basicamente assim os objetivos da matéria como “a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus”. Então, sigamos.

Nos quatro anos de Ginásio Irã, Cunha não era daqueles garotos mais populares. A aparência não ajudava: além de bastante franzino, ele ainda usava aqueles óculos conhecidos como “fundo de garrafa”. Atrás das lentes, havia os olhos completamente estrábicos. Numa foto de 1972, o estudante aparece com os cabelos compridos. Na do ano seguinte, com “mullets”, aqueles cabelinhos sobrando até a altura da nuca.

— Definitivamente, ele não era um garoto que chamava a atenção das meninas. Podemos dizer, que seria o que chamam de nerd — diz uma ex-colega de turma.

Como não era dos mais extrovertidos, o garoto não dava aos outros estudantes nenhuma impressão de liderança. Nos horários de recreio e na educação física, era aquele que não chegava a ser o último a ser escolhido para as partidas de futebol. Mas também não era o craque do time.

— Não acho que ele era exatamente um nerd. Ok, talvez pela aparência, mas de resto até que era bem normal. Lembro que ele gostava de jogar bola no recreio com os seus kichutes (uma mistura de tênis com chuteira que virou febre na década de 1970) — comenta outro ex-colega.

Referência de bom ensino público, o Ginásio Irã, que ficava no bairro de Vila Isabel, atraiu durante muito tempo os filhos da classe média da região, como Cunha. Dividia as atenções, por exemplo, com o Colégio Pedro II. Formou jovens que se transformariam em engenheiros, médicos, pesquisadores, entre outros. A escola havia sido inaugurada em 1965, com a presença do então xá do Irã, Reza Pahlevi, e da imperatriz Fara Diba. Com a queda do xá, no fim da década de 1970, mudou o nome para Escola Francisco Manuel. Mais recentemente, passou da rede estadual para a rede municipal.

— A Irã era uma escola excelente, o chamado Ginásio Orientado para o Trabalho, que, além das disciplinas, tinha cursos técnicos em eletricidade, marcenaria e até educação para o lar, voltada principalmente para as meninas, mas que meninos podiam fazer também. Com o passar do tempo, o colégio perdeu a condição de referência — comenta a professora Dirce Raposo Braga, de 83 anos, que atuou quase 20 anos como orientadora educacional na unidade.

Dirce diz não lembrar muito de Cunha. Tem como referência o menino franzino e quieto, que não dava problema a ela. Mas, ao ouvir as notícias sobre ele na TV, ela se sente incomodada:

— Ai, ai, ai, o que esse menino foi fazer?

Uma curiosidade é que o deputado não foi o único político que saiu do Ginásio Irã. Houve ao menos mais um. Em novembro de 1973, o GLOBO publicou uma reportagem sobre um novo método individual de ensino que estava sendo usado com alguns alunos de turmas da tarde, considerados problemáticos. Um deles foi Arthur Barbosa Pinto, que melhorou seu desempenho após a utilização do método. Arthur tornou-se prefeito da cidade de São José do Barreiro (SP) até morrer em 2011 num acidente de carro.

boletim de eduardo cunha

Depois de completar os estudos no Irã, Cunha foi para o colégio particular ADN, na Tijuca. A unidade não existe mais, mas a escola ainda tem sua matriz no Méier, com o nome ADN Master. No 1º e no 2º ano do 2º grau em que estudou lá, o deputado não teve notas tão brilhantes, mas nada abaixo de 6. Como o curso profissionalizante era obrigatório nessa época, ele fez o técnico em turismo nesses dois anos.

— Se não tirou abaixo de 6, ele era bom aluno. O colégio era forte, muito voltado para o vestibular — comenta o diretor Marcos Hervé Pinheiro, de 79 anos.

Como era uma rede grande, na história do ADN há, segundo Hervé, ex-alunos famosos dos mais ecléticos: do ministro do Supremo Marco Aurélio Mello ao ator Alexandre Frota, passando pelo presidente do Vasco, Eurico Miranda.

Do ADN, Cunha foi para um outro colégio particular, o Primeiro de Setembro, também na Tijuca, que não existe mais. Lá, fez uma opção pitoresca ao escolher o profissionalizante: técnico em patologia clínica. Na teoria, estaria apto a lidar, por exemplo, com a coleta de fezes, urina e sangue em laboratórios. Na prática, deve ter tido algumas aulas a mais de biologia. Sua melhor nota foi um A, em matemática.

Formado no ensino básico, Cunha ingressou em 1977 no curso de economia na Universidade Cândido Mendes. No perfil oficial de seu site, há um erro: a afirmação de que teria começado em 1971, quando tinha apenas 13 anos. O deputado completou o curso em janeiro de 1981. Na vida pública, começou como presidente da Telerj, no início da década de 1990. Como deputado federal, já está no quarto mandato que, teoricamente, termina em 2018. Mas essa ainda é uma história por contar.

Eduardo Cunha no 4º ano ginasial, em 1973 - Reprodução

Eduardo Cunha no 4º ano ginasial, em 1973 – Reprodução

 

Por Ruben Berta no jornal O Globo