Entrevista – Brasil pode terminar 2016 com novo governo

16/03/2016 10:39

”Lula ministro não impede queda de Dilma”, diz Figueiredo. Para o ex-diretor do BC, o mais provável é que Brasil termine o ano de 2016 com um novo governo.

Com ou sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ministério de Dilma Rousseff, o Brasil terminará o ano com um novo governo. A avaliação é de Luiz Fernando Figueiredo, diretor de Política Monetária do Banco Central entre 1999 e 2003, e fundador da Mauá Capital. Para Figueiredo, cuja empresa gerencia uma carteira de investimentos de R$ 2 bilhões, mesmo com toda a turbulência atual, “a tendência de antecipação da saída desse governo não mudou.”

Em entrevista na tarde desta terça-feira (15), o gestor também contrariou os que pintam um futuro tenebroso para o país. Apesar da recessão econômica e da política em pé-de-guerra, Figueiredo é enfático ao afirmar que “o Brasil não vai quebrar, de jeito nenhum”.

O ex-diretor do BC também afirma que a inflação deve baixar nos próximos anos. O motivo não será nem a recessão, que, ao inibir o consumo, contém também a alta dos preços, nem por obra de uma política monetária acertada. Segundo Figueiredo, o dragão começará a amansar, simplesmente “porque teremos um governo mais eficiente até o fim do ano.” Confira os principais trechos da conversa, realizada na sede da Mauá:

Qual é o cenário político e econômico com que o senhor trabalha para este ano?

Luiz Fernando Figueiredo: É muito difícil ter segurança quanto aos cenários. Estamos numa situação binária. Temos dois cenários diferentes. O primeiro envolve uma nova composição deste governo, que lhe dê condições de tocar uma genda de reformas para que, no mínimo, haja um equilíbrio no crescimento da dívida. Mas o nosso pressuposto é que haja uma troca de governo. Porque este perdeu as condições de fazer o que seja. Ele não tem nem uma convicção forte, aparentemente, de qual é a sua política. Com Lula como ministro, essa agenda pode até mudar. Mesmo assim, o governo não tem mais uma base no Congresso para enfrentar essa agenda. Então, é necessário um novo governo com uma agenda que nos traga equilíbrio. Ela parte do equilíbrio fiscal ao longo do tempo para estabilizar a dívida. Eu diria que, de longe, esse é o cenário mais provável.

Se o senhor pudesse atribuir uma probabilidade a este cenário, seria de quanto?

Figueiredo: O problema é que essa probabilidade muda a toda hora, mas eu diria que a troca de governo tem uma chance muito grande. A gente não sabe se isso é uma questão de poucos ou de muitos meses. Mas eu diria que, até o final do ano, muito provavelmente teremos um novo governo. É possível, inclusive, que ao final deste semestre, a gente já esteja falando de um novo governo.

No seu cenário, esse novo governo é presidido por Michel Temer [atual vice-presidente]?

Figueiredo: Para que a troca ocorra em três ou quatro meses, é preciso que venha pela Justiça ou pelo impeachment. Nos dois casos, quem assume é o Temer. O processo no TSE, por mais antecipado que seja, ficaria para o final do segundo semestre. Seria muito mais longo, mas é uma possibilidade minoritária.

Se, apesar de tudo, Dilma sobreviver, seria bom para o mercado?

Figueiredo: Não. A discussão é se seria muito ou pouco negativo. No cenário menos negativo, mesmo que o governo busque o equilíbrio fiscal, haverá piora, principalmente, da economia real. O maior problema é se a gente for na outra direção, a do populismo aberto. A economia real até poderia responder um pouquinho, no curto prazo, aos estímulos, mas eu diria que não seria nem um voo de galinha. Seria um meio voo de galinha (risos). Do ponto de vista dos ativos brasileiros, significaria uma nova onda de desvalorização, porque estaríamos indo mais rapidamente em direção ao precipício.

Quando assumiu a presidência em 2003, Lula surpreendeu positivamente por adotar uma política econômica bem ortodoxa. Agora, ele prega o aumento da concessão de créditos. O senhor acha que o governo irá por esse caminho de ampliar o crédito?

Figueiredo: É difícil de saber, mas aparentemente sim. Todas as atitudes populistas não poderão depender do Congresso. Se depender, não serão aprovadas. O que Dilma está tentando fazer é o que Lula fez em 2003: gerar alguma racionalidade econômica. Lula foi, inclusive, mais rigoroso na política fiscal do início do mandato que Dilma. Mas o que o PT e Lula estão dizendo é que, com ele no governo, a nova política seria contrária ao que se tenta fazer atualmente.

Como ficará o Brasil até a troca de governo?

Figueiredo: À medida que as probabilidades crescem, as pessoas vão se animando. Hoje, o maior problema é a falta de confiança. Ninguém no Brasil confia que o futuro será melhor, ainda que o presente esteja ruim. Nós tivemos uma resposta, no domingo, muito forte [alusão aos atos pela saída de Dilma]. Foi a maior manifestação da história do Brasil. Se você olhar os ativos brasileiros, verá que passaram as duas semanas anteriores se valorizando fortemente. Depois das manifestações, o governo está tentando reagir, o que acho natural. O mercado tem piorado bastante diante dessa reação. Vamos ver como ficarão essas forças, de lado a lado, mas a tendência continua a mesma. E a Lava Jato, todo dia, traz uma notícia muito comprometedora.

A reação do mercado está sendo racional? Muitos analistas a interpretam como um sinal de que Dilma irá até 2018.

Figueiredo: Não… não acho que dá para ir tão longe. O que dá para dizer é que Lula dará uma sobrevida ao governo. Em momentos como esse, o mercado não lidera os eventos; apenas responde ao que acontece no curto prazo. É muito difícil precificar ativos quando se tem cinco ou seis eventos muito relevantes no mesmo dia. Para precificar os ativos, em momentos como esse, você precisa tirar um pouco o curto prazo e pensar no longo prazo. O que não mudou é a tendência de antecipação da saída desse governo e da entrada de um novo, com uma agenda mais arrumada e com uma base de sustentação melhor.

Mesmo que Temer assuma, ele precisará de um tempo para arrumar a casa. Não será instantâneo…

Figueiredo: Sim, mas a gente sempre pensa neste novo cenário, com as premissas do velho cenário. As premissas atuais não estarão no novo governo. O atual governo, de fato, está tentando uma agenda razoável. Só que não tem condições de tocá-la. Um novo governo não. Ele vai se formar, a partir de uma base mais sólida. Não digo que será um mar de rosas. O Brasil não está à beira do precipício. Ele está longe, porém está indo para lá. Ainda temos tempo de impedir isso. O que acontece é que o mercado, de modo geral, antecipa movimentos como esse. Nas últimas semanas, é o que o ele fez. Mas, agora, tudo está muito embaralhado. Há muitos fatos novos, mas mudou muito o médio e longo prazo? Não. Pelo contrário.

O que seria um governo Temer razoável para a economia?

Figueiredo: O primeiro ponto é atacar a questão fiscal. Os gastos obrigatórios do governo representam 90% do orçamento total, e eles crescem, todo ano, 0,5% mais que o PIB. Para manter o equilíbrio fiscal, você tem que arrumar 0,5% a mais, todo ano, ou de receita, ou cortando os gastos. Precisa mexer nessa parte obrigatória, que é 90%. Mas como? Metade disso ou mais é previdência. Então, atacando isso, o país sairá do caminho para o precipício. Você está falando, com isso, de uma mudança completa de confiança, de um câmbio, provavelmente, mais baixo. Uma inflação mais baixa. Com isso, o Banco Central poderia baixar os juros. A retomada poderia ser mais rápida do que a gente antecipa.

Diante de tudo isso, o que o senhor tem dito para os clientes da Mauá?

Figueiredo: O que digo é o seguinte: o momento é de muita cautela, mas é também o de procurar oportunidades. Não acho, de jeito nenhum, que o Brasil vai quebrar. Então, tem muita coisa que começou a ficar barata. Temos fundos multimercados, que são instrumentos muito apropriados nesse ambiente, porque são muito flexíveis. Nós, em particular, temos um resultado muito bom, porque conseguimos usar essa flexibilidade para não corrermos riscos o tempo todo. Em geral, corremos um risco baixo. Entramos em oportunidades muito favoráveis. E a vantagem é que podemos migrar de um ativo para outro muito rapidamente.

O Brasil está barato mesmo, ou é aquele tipo de barato que sai caro?

Figueiredo: Se o Brasil fosse quebrar, seria o barato que sai caro. Não sendo esse caso, os ativos brasileiros estão baratos. Não todos, claro, mas não é por outra razão que os investidores estrangeiros estão comprando tanto Brasil.

E onde estão essas oportunidades? Quais são os melhores ativos?

Figueiredo: Temos que ter uma postura muito oportunista, mas pensando em mais longo prazo, acho que os papéis NTNs [Tesouro Selic] indexados à inflação de longo prazo são muito bons. Pensando também no longo prazo, algumas ações de primeira linha estão com múltiplos muito baratos. A taxa de câmbio já corrigiu um pouco. Não teria muitos ativos em dólar, porque o câmbio já corrigiu muito da nossa fragilidade. Para se ter uma ideia, a nossa necessidade anual de dólar, que é representada pela conta corrente, se reduziu em quase US$ 100 bilhões por ano. É outra saúde. É outra situação. Há dois anos, tínhamos uma necessidade muito maior.

O senhor é a favor de usar parte das reservas para pagar a dívida pública?

Figueiredo: Acho que essa questão está mal colocada, porque só poderia ser usada nesta situação. Acho que a discussão é: qual é o volume ótimo de reservas? Será que precisamos ter, mesmo, cerca de US$ 370 bilhões? Na minha visão, esse não é um movimento para ser discutido em um ambiente de estresse, como o atual. É para se tratar em um momento mais calmo. Mas eu, particularmente, acho que não precisamos de tantas reservas. O custo é muito caro. É um seguro, mas o que se mostrou, nos últimos anos, é que não usamos praticamente nada dele. O câmbio flutuante dá conta de uma parte importante do ajuste, sem precisar usar as reservas. Mas eu acho que, agora, não é a hora de fazer nada.

Há quem diga que usar as reservas é casuísmo…

Figueiredo: Depende. Se for para pagar dívidas, não é casuísmo. Agora, usar isso para investimentos em infraestrutura é um absurdo. É uma nova pedalada.

O senhor já declarou que não descarta um pico de R$ 5 para o dólar, embora os fundamentos econômicos não justifiquem. O senhor ainda espera um salto?

Figueiredo: Sim, porque ainda é possível, embora pouquíssimo provável, que o governo recorra ao populismo. E, contra a loucura, não tem jeito. Como você estima o preço nessa situação? Mas eu acho que esse risco é quase negligenciável hoje. Não é totalmente negligenciável, porque ainda há esse pequeno risco de populismo, mas, em termos de valor, não tem o menor sentido esses R$ 5.

O senhor vê inflação elevada nos próximos anos?

Figueiredo: Nosso cenário mais provável é que não, mas, como eu falei, tem aquele risquinho pequeno. Se tirar esse risquinho, a resposta é não. A inflação tende a migrar, gradualmente, para os 4,5% da meta.

Mas por causa da recessão ou de uma política monetária bem-sucedida?

Figueiredo: Não… é porque nós iremos, muito provavelmente, mudar para um governo muito mais eficiente do que o atual.

O senhor chegou a dizer, no fim do ano passado, que esperava que o BC elevasse os juros em fevereiro. O senhor continua esperando uma alta da Selic?

Figueiredo: O que eu disse, naquela época, é que o BC dava indicações de que faria isso. Mas, dois dias antes da reunião, houve aquela mudança de posição. Olhando de hoje, não acho que o Banco Central deva subir os juros. O que aconteceu de lá para cá? A taxa de câmbio caiu bem. A atividade está bem pior do que se imaginava. Então, a inflação está com uma tendenciazinha mais favorável do que há dois meses. As expectativas de inflação subiram muito, mas começam a se acomodar. Agora, de novo, é um cenário de muita incerteza e, num cenário assim, o melhor é não fazer nada.

Nesse cenário, um BC independente seria melhor para o Brasil?

Figueiredo: Totalmente. Veja: todo o avanço que conseguimos recentemente veio da Lei de Responsabilidade Fiscal. O próximo governo, por exemplo, não poderá fazer uma pedalada fiscal, porque, agora, não só existe a lei, como também os órgãos de fiscalização estão muito mais severos e vigilantes. Na minha opinião, a autonomia do Banco Central seria uma lei de responsabilidade monetária. Algumas decisões poderão, até, ser erradas, mas esse é o menor custo para a sociedade, porque o Banco Central não precisará, a todo momento, provar sua credibilidade. Porque, toda vez que ele faz isso, precisa manter os juros mais altos que o necessário. É muito mais caro para a sociedade.

O senhor vê alguma possibilidade de corte de juros neste ano?

Figueiredo: Depende um pouco desse cenário. O mais provável é que sim. Lá pelo meio do ano, um pouco antes, um pouco depois, é possível que a gente já comece um processo de queda de juros, se essa mudança de governo continuar.

Fazer previsões é sempre o melhor jeito de errar, mas a Selic pode terminar o ano em quanto?

Figueiredo: Ah… não sei dizer… mas é possível que a gente chegue em torno de 12% ao ano. São quatro reuniões… se cortar de meio ponto em meio ponto… dá mais ou menos isso.

Se seu vizinho lhe perguntasse o que fazer com o dinheiro, como pessoa física, no meio desse turbilhão, o que o senhor diria?

Figueiredo: Eu diria que ele deveria olhar um fundo multimercado, porque é um instrumento muito flexível. E, segundo, olhar algumas alternativas de mais longo prazo, como, por exemplo, as NTNs.

 

artigo marcio jubiloni

Por Márcio Juliboni -  entrevista concedida ao site O Financista