Opinião – EUA e Brasil: como a insatisfação política provocou resultados opostos

14/04/2016 16:57

”No entanto, existe um único aspecto que os une: Ambos são, diante da insatisfação política, considerados por seus eleitores como representantes de uma nova classe política…”

Existe algo em comum acontecendo na política mundial hoje é a exacerbação da vontade de mudança por parte dos cidadãos comuns. Escrevo bastante sobre contexto porque acredito que, num mundo cada vez mais conectado, os grandes movimentos internacionais não são fenômenos isolados, mas, muitas vezes, interpretações locais a partir de inspiração global. O século 21 tem se tornado o espaço de exercício do olhar doméstico a partir de tendências. Isso é válido tanto para movimentos que não deveriam encontrar qualquer tipo de apoio (como o terrorismo, por exemplo) quanto para mobilizações justas que se fazem ouvidas graças aos novos meios de comunicação e intercâmbio de ideias (o caso do fenômeno Occupy me parece um bom exemplo). O que diferencia todos os agrupamentos é a leitura particular de seus protagonistas (fruto da cultura local e de suas demandas específicas).

Usando como exemplo o Occupy, a versão americana se posicionava de forma a mostrar inconformismo diante da percepção de que o mercado financeiro – representado por Wall Street – usufruía de liberdade absoluta e não se sujeitava a qualquer forma de regulação. Já o Occupy de Israel estava focado em denunciar os preços exorbitantes de moradia. Ambos têm a mesma origem, mas escolhem como alvo de denúncia e protesto o que consideram injustiças locais. Versões domésticas e com demandas particulares se espalharam por 68 países, tornando-o o movimento de luta popular mais bem sucedido deste século.

Este também é um momento internacional de contestação do sistema político tradicional. Brasil e EUA vivem momento similar neste aspecto. Em comum aos dois países – tomando esses casos como objeto de análise –, o questionamento dos chamados políticos tradicionais. O candidato democrata Bernie Sanders e o Republicano Donald Trump possivelmente divergem sobre todos os pontos. Cada um tem seu próprio projeto de país e suas visões são diametralmente opostas. No entanto, existe um único aspecto que os une: ambos são considerados por seus eleitores como representantes de uma nova classe política, a dos políticos que contestam a política. É possível que um desses projetos chegue a ocupar o Salão Oval nos próximos quatro anos.

A situação brasileira é diferente (aliás, não poderia ser mais distinta). A população está insatisfeita com a política tradicional e certamente contesta aqueles que identifica como políticos tradicionais. No entanto, ainda não produziu nomes capazes de assumir seus lugares. Se a ideia de derrubar a presidente legitimamente eleita realmente se concretizar, o país não terá alcançado ou mesmo iniciado um processo mínimo de substituição dos políticos tradicionais por uma nova classe de políticos. Muito pelo contrário. E é a partir deste ponto que os projetos americano e brasileiro se distanciam.

Nos EUA, os dois principais partidos conseguiram permitir que novas lideranças (sem juízo de valor sobre ambos os candidatos) emergissem, dando voz a parcelas relevantes do eleitorado que identificam Trump e Sanders como legítimos representantes de uma nova maneira de se fazer política. Isso se deve a dois fatores: a democracia americana está consolidada, não permitindo situações como esta que estamos testemunhando no Brasil; o processo de escolha dos candidatos presidenciais é mais transparente – não significa que seja simples ou de fácil compreensão. Mas certamente existe um processo conhecido e repetido a cada quatro anos. No Brasil, os principais partidos políticos escolhem seus candidatos a partir de determinações internas e, muitas vezes, num processo nada democrático que desconsidera as opiniões dos próprios membros das legendas.

Ao mesmo tempo, a tentativa de afastar a presidente Dilma Rousseff não servirá para fundar uma nova política, mas para restabelecer o controle da política brasileira pelos representantes mais comprometidos com a política tradicional. Nos EUA, o interesse pela mudança apresentou dois novos projetos (um de direita, outro de esquerda). No Brasil, a insatisfação com a política tradicional não provocou qualquer resultado, muito pelo contrário; foi cooptada para servir de massa de manobra para a retomada do poder pela pior expressão da velha política.

 

Por Henry Galsky em O Tempo