29/04/2016 11:19
Com o legado de Dilma, nós teremos de economizar para pagar apenas os juros dos excessos passados do governo, sem que isso represente de fato uma poupança.
Para se reeleger e evitar a queda de popularidade, a presidente Dilma Rousseff promoveu uma das maiores expansões fiscais da história brasileira. Em janeiro deste ano se falava em dívida explosiva, calote e dominância fiscal. Ao que tudo indica, teremos em breve um novo governo. Mas não podemos deixar de considerar o legado que o governo Dilma oferece à sociedade brasileira: uma dívida impagável!
Em 2011, quando seu governo começou, o Brasil gastava pouco mais de 2% do PIB com pagamento de juros e a dívida bruta era de 54% do PIB. Hoje, gastamos aproximadamente 8% do PIB com ela, que ruma para 74% do PIB.
Sem medo de sobrecarregar os cidadãos, o aumento da dívida aconteceu juntamente com o aumento da carga tributária para níveis também históricos.
A expansão fiscal alarmante, principalmente em setores não produtivos, acumulou uma dívida tão grande para a sociedade, que as próximas gerações terão de trabalhar muito para pagar o serviço desse desequilíbrio.
Mas “muito” é quanto?
Quando tomamos uma dívida no banco, fazemos as contas de quanto temos disponível de salário, tirando os custos essenciais, e comparamos com a parcela de juros e amortização a ser paga. Se o salário líquido for maior ou igual à parcela, conseguiremos pagar o empréstimo.
Se no meio do caminho, porém, aumentamos os nossos gastos a ponto de não sobrar mais dinheiro algum, teremos certamente de contrair mais dívidas. E mesmo quando voltarmos para o nível de gastos iniciais, a parcela do financiamento já não caberá mais no bolso, pois a dívida agora é maior, assim como o montante de juros a ser pago.
Assim aconteceu com o governo. O financiamento que ele tinha contraído inicialmente era de 54% do PIB gerado no ano. Sobrava para ele, depois dos gastos essenciais (superávit primário), cerca de 2% a 3% do PIB em 2011. Até aqui parecia tudo controlado.
Mas, na estratégia econômica escolhida, o gasto aumentou fortemente e em vez de poupar 2% o governo passou a dever 2% do PIB por ano. O espaço para pagar juros ou amortizar a dívida se esgotou e, como consequência, o governo teve de contrair mais empréstimos, chegando aos atuais 74%.
Esse processo poderia continuar para sempre, exceto pelo fato de chegar a hora que seus credores simplesmente não emprestam mais dinheiro. Nesse momento, o seu título de dívida se deprecia, assim como a sua moeda.
Os juros no mercado futuro de cinco anos dispararam de 11% em 2012 para 17% em janeiro deste ano e o câmbio de 1,8 para 4,2.
Infelizmente, foi preciso toda essa desvalorização e perda de riquezas para que percebessem o óbvio: não se pode gastar mais do que se arrecada. Já dizia a velha Lei de Responsabilidade Fiscal.
Agora, Michel Temer dá sinais de que o controle fiscal é prioritário. Estabilizar a dívida/PIB será um dos objetivos do novo governo.
Mas quanto será preciso economizar para que isso aconteça? Em outras palavras, qual foi o legado de Dilma para as próximas gerações?
Na conta doméstica, é fácil reconhecer. Eu precisaria poupar os juros da minha dívida. Mas, se o meu salário crescer em algum percentual, ele ajuda também a reduzir o que eu tenho de poupar.
Ou seja, se os juros reais da minha dívida estão em 6%, e meu salário cresce 2% acima da inflação, eu preciso economizar 4% do valor da minha dívida todo ano. Desta forma, eu pagarei os juros, e minha dívida se manterá estável.
O mesmo vale para o país. O custo nominal da dívida pública está em torno de 14,15%. Se a inflação deste ano for 7,5%, teremos um juro real de aproximadamente 6,2%. Descontando desses juros o crescimento do PIB, teremos o percentual da dívida que precisamos economizar.
O PIB ficou em -3,8% em 2015 e o FMI estima o mesmo número para 2016. Se esse montante negativo se perpetuasse, o produto prejudicaria o esforço necessário, fazendo com que ele fosse os 6,2% somados aos 3,8% resultando em 10%. Para a dívida bruta atual de 74%, os 10% seriam 7,4%.
Ou seja, o superávit primário que hoje está em -2%, teria de ir para +7,4% para estabilizar a dívida/PIB. Isso seria uma economia equivalente a 9,4% do PIB no ano.
O valor é inalcançável, uma vez que, desde 1996, o maior primário que já conseguimos fazer foi de 3%.
Se brincarmos com os números ao longo do tempo, pensando em um juro real de 6% e um PIB de zero, a economia necessária cai para 4,4%. Melhor, porém, ainda muito pouco provável.
Para começar a ficar factível, precisaríamos de um juro de 5% com um PIB médio de 1,5% ao longo dos anos, resultando em um primário necessário de 2,60%.
Por décadas teremos de economizar esses 2,6% todo ano. Esse valor não poderá ser investido em educação, saúde ou desenvolvimento. Terá de ser economizado para pagar apenas os juros dos excessos passados do governo, sem que isso represente de fato uma poupança.
Não preciso nem dizer que a necessidade de fazer economia e principalmente a falta de investimentos resultará em décadas de crescimento baixo e falta de competitividade.
Décadas de reclamações de que as coisas aqui não funcionam, de que tudo falta e de que o futuro nunca chega para nós.
Belo legado!
Por Marília Fontes é economista e analista da Empiricus Research