31/05/2016 16:25
”Precisamos que o Temer dê certo, ao menos na economia. Porque ninguém irá às ruas apoiá-lo. Todo mundo tem medo de apoiar governos.”
Converso com muita gente culta, de gravata, e concluo: 3 milhões de pessoas foram protestar nas ruas, mas pouca gente entende realmente o que está acontecendo no Brasil profundo. Profundo no sentido de detalhes contábeis, dos segredos de gaveta que só os carunchos conhecem. Ninguém sabe nada. Essa deficiência da opinião pública é que os petistas usarão para arrasar o governo do Temer. Como o presidente em exercício tem pouco tempo, e como a c***da deixada por Dilma e PT foram imensas, teremos dois anos (se Deus ajudar) para reorganizar a economia que teve perda quase total. É difícil, por causa das sabotagens e da lentidão brasileira. Por isso, Lula está adorando o impeachment de Dilma. É a melhor coisa que podia lhe ter acontecido. O Sarney disse outro dia na gravação que Lula estava muito deprimido. Deve estar, mas não é uma melancolia inócua, passiva, sem rumo; não, Lula está se preparando para sapatear em cima dos erros e dificuldades inevitáveis desse governo.
Agora, ele e seu PT podem partir para a oposição, contando com uma população imensa de imbecis que serão convencidos de que o impeachment foi só para acabar com a Lava Jato.
A narrativa deles será a de que todo mundo sempre roubou e que eles só entraram na regra do jogo. Mentira. A corrupção do PT inventou algo novo: corromper para governar, pois revolucionário pode roubar em nome do Bem. E assim, bateram um recorde mundial: nunca na história do mundo houve uma roubalheira organizada como essa.
Temer tem a difícil tarefa de andar na corda bamba, no fio da navalha entre uma equipe econômica de primeiro time e um restolho de vagabundos que aparelharam ministérios e repartições em geral. Se bobear, Temer pode eleger o Lula em 2018, se o “grande líder do povo” não for em cana.
Uma transição de governo intempestiva gera medo mas também uma esperança de mudança imediata. “Ahhh…acabou o PT, o ‘petrolão’ – agora seremos felizes.” Auriverde ilusão de minha terra…
O problema é que a herança maldita dessa terrível senhora é um emaranhado infernal para se consertar. Em dois anos, seríamos uma Venezuela. E esta é a felicidade do Lula: a expectativa dos mal informados (que são a maioria) vai se esfarinhar e o Temer será culpado pela c***da que o PT deixou no meio fio. A culpa vai ser dele em pouco tempo.
Brasileiro “assiste” ao Brasil. Brasileiro assiste à política como um Fla x Flu, torcendo, xingando juiz, mas quer que o Estado resolva tudo, pois não sabe que o Estado é o problema e não a solução. A sociedade protesta, mas não sabe como tomar as rédeas. Este governo tem um só caminho: conquistar um apoio da sociedade, para que ela entenda que não se trata de ideologias e sim de uma tragédia contábil. “É a economia, estúpidos!” (citando o refrão batido do James Carville).
Temer vai ter de arrumar as contas. Só. E aí, vem a esparrela: como expulsar 100 mil vagabundos aparelhados no governo? Como impedir que volte a lama debaixo do tapete? Nosso complexo de impotentes renasce feito rabo de lagarto. Debaixo de nossos olhos, a máquina da sordidez nacional ressuscita, como um monstro de ficção cientifica, um “Alien”.
Os escândalos cada vez maiores não podem encobrir o dano nas contas publicas. E tem mais: vai haver aumento de impostos, sim. Não adianta chorar. É impossível, só com ajustes e cortes resolver o buraco da Dilma de R$ 170 bilhões jogados no lixo. E aí? Como explicar?
Esse é o maior perigo: a teia de escândalos pode mascarar os urgentes acertos da República devastada.
Precisamos que o Temer dê certo, ao menos na economia. Porque ninguém irá às ruas apoiá-lo. Todo mundo tem medo de apoiar governos. É impossível imaginar que brasileiros vão às ruas para defender o ajuste fiscal: “Queremos ajustes!” É mais fácil ser contra. A oposição enobrece, a adesão é humilhante.
Por outro lado, os militantes pagos da CUT, MST e outras siglas vão para as ruas, gritar contra. Rolam boatos fortes de que o PT está reunindo muita grana para comprar uns três senadores. É possível.
Por isso, acho que uma das coisas mais sérias que este governo tem de buscar é a comunicação com o país.
Vi outro dia o Temer falando e achei que ele está imbuído de um desejo real de entrar para a história como um cara que ajudou a consertar o Brasil. Houve momentos em que ele mostrou uma virilidade legal. Por exemplo, quando disse que já tinha sido secretário de segurança em São Paulo e que não tinha medo de bandido. Ali, o povo gostou. Acho que gostou também quando ele disse que não tem medo de errar e que, se errar em algo, consertá-lo-á. Acho ótimo um presidente falando em mesóclises. Melhor que a Dilma na mandioca. Temer tem de falar, muito, explicar para a população o que significa esta fase de nossa vida, muito além de corrupção ou ideologias.
Tem de explicar. Olho no olho. Sem propaganda. Tem de conquistar um carisma. Tem de explicar, como numa gramática, o que é divida pública, gastos inúteis, aparelhamento do Estado; as pessoas têm de saber contra o quê estão gritando ou marchando. A corrupção imensa, pavorosa, não é o núcleo da questão. Ela nasce das condições arcaicas de dentro da organização política e administrativa. Nossa formação patrimonialista está explodindo agora, depois de séculos. É preciso criar um espaço simbólico para esta presidência transitória.
FHC não explicou com clareza o que estava fazendo em seu governo. FHC não conseguiu criar um espaço reconhecível pela opinião publica, que não pode ser confundido com propaganda ou marketing. Por isso, seu excelente governo, que acabou com a inflação e nos jogou num novo mundo administrativo, acabou arrasado pela oposição do PT diante de uma opinião publica desinformada, aérea. É preciso que as pessoas se sintam passageiros no trem do seu governo.
É importante que o lado “espetaculoso” das denúncias, não crie uma institucionalização da zona. Há um velho hábito de acharmos que o Brasil não tem jeito. O perigo é ficarmos cínicos, fatalistas e desesperados. Se não der certo, estamos f***dos.
Por Arnaldo Jabor, jornalista que dispensa apresentações