Ponto de Vista – O ataque em Orlando, EUA

15/06/2016 01:47

Religião, política, intolerância e sexualidade: Como entender o ataque em Orlando?

 

Foram 49 mortes e mais de 50 feridos. O autor do massacre na boate Pulse, em Orlando, era visto “com frequência” no local, de acordo com testemunhas. Durante a ação Omar Mateen fez uma série de chamadas para o número 911, o canal de emergência nos EUA, nas quais jurou lealdade ao líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi.

Como significar um ataque como esse? Afinal, o terrorismo e a homofobia andaram lado a lado em Orlando?

Sobre isso não restam muitas dúvidas. Mas os professores Dimitri Sales, advogado especialista em direitos humanos, e Bernardo Wahl, especialista em segurança internacional, nos explicam que o massacre na boate gay tem nuances e dimensões ainda mais complexas.

Foi homofobia?

Para Sales, a homofobia caracteriza o ataque de Mateen na medida em que ele definiu e particularizou muito bem o seu alvo.

“A homofobia serve como uma orquestra de valores, um conjunto de regras comportamentais que ordena as práticas sexuais da sociedade. Quando ele define o alvo com um lugar que reafirma posicionamentos que vão contra esse conjunto de regras, ele está seguindo algumas influências. Não há como afastar a homofobia disso. Ele não foi em uma universidade ou em um parque. Ele foi em uma balada frequentada por homossexuais, em uma festa para latinos. Ele definiu muito bem o perfil de suas vítimas.”

É culpa do Islã?

Bernardo Wahl é claro: o islamismo não é uma religião que prega a violência. O que se faz é um uso radical das ideias islâmicas.

estado islamico 2

“No geral, o islamismo é uma religião pacífica. Aqueles que pregam a violência são uma minoria radical. No caso de Orlando as motivações do perpetuador do ataque foram a homofobia e a ideologia jihadista, que está difusa e acessível na internet. E o Estado Islâmico se aproveitou disso – foi o maior atentado desde o 11 de setembro. O maior tiroteio desse tipo. Do ponto de vista da propaganda e de atingir corações e mentes, o EI se aproveita do evento para estimular outros simpatizantes da ideologia a provocarem algo do tipo, mesmo que a ação em Orlando não esteja ligada diretamente as operações do EI. E na maioria dos casos elas não são estruturadas pelo estado islâmico. Ataques mais espetaculares como o 11 de setembro são a exceção. Ataques como o de Orlando, mais brandos e mais difíceis de identificar são a tendência. Não é uma célula central que designa ordens, mas sim ataques perpetrados por indivíduos, que é algo mais difícil de monitorar.”

Para o advogado de direitos humanos, no entanto, não há como minimizar a capacidade dos discursos religiosos de formatarem realidade, inclusive àquelas em que prevalecem os discursos de ódio.

“A religião não é definidora de comportamentos. A questão é como os discursos religiosos são utilizados. É um equívoco usar discursos de intolerância em nome de alguma divindade, como tem sido feito no mundo inteiro. As religiões cumprem um papel de ordenação social, como sempre cumpriram, e nesse quesito o discurso do controle da sexualidade como um pressuposto do controle do sujeito cabe muito bem. Você vê o EI derrubando o homossexuais de prédios, e ai não é o combate a homossexualidade, mas uma tentativa de ordenação da sociedade pautado em critérios de sexualidade […] O que está posto é uma ordenação da sociedade a partir de critérios que não reconhecem as diferenças como elementos que compõem os indivíduos.”

A motivação é religiosa ou política?

O especialista em segurança internacional argumenta que o elemento principal que move o Estado Islâmico é essencialmente político.

“Sempre que há avanços na conquista de direitos, há tensões com as visões de mundo já estabelecidas anteriormente e esse é sem dúvidas um dos desafios do mundo contemporâneo. Se analisarmos a formação do EI veremos que o seu objetivo é eminentemente politico. O elemento religioso serve de ferramenta para o politico, que e a formação de um califado – inicialmente na região da Síria e Iraque, depois de maneira mais ampla no Oriente Médio e quiça no resto do mundo. Há populações reprimidas pelo EI, sem dúvidas, mas ao mesmo tempo há populações que se veem protegidas pela organização – no caso os sunitas, que tem uma ideologia extremista. E ai entra mais uma vertente da disputa histórica entre sunitas e os xiitas.”

Qual a dimensão psicológica do ataque?

É difícil sugerir o que levou Omar Mateen a cometer o massacre. Uma das hipóteses de Salles nos faz questionar a dimensão subjetiva e individual do terrorista.

ataque a orlando 1

“Quando você chega na fase da descoberta sexual é difícil, mas a fase da descoberta homossexual é ainda pior. É muito difícil ser homossexual no Brasil e no mundo inteiro. Isso faz com que se reprima o desejo. Uma das explicações da homofobia é que quando o sujeito age com muita violência é porque há um desejo muito reprimido ali. Não é com todos os homofóbicos. Mas temos que ter em mente que as praticas homofóbicas revelam muito mais do sujeito que as pratica do que do sujeito que é atingindo. O cara que entra num app para encontros gays claramente consegue e pode manter um dialogo com o seu diferente. Então, nesse caso, há fortes indícios de um desejo reprimido, mas falo como advogado, não psicanalista. Esse é um elemento que pode ajudar a decifrar esse sujeito, mas não é um elemento determinante. Senão a gente vai falar que todo homofóbico vai se tornar um terrorista e não é assim que acontece.”

Para Wahl, a dimensão psicológica é uma das principais ferramentas do Estado Islâmico.

“A dimensão psicológica é fundamental nesse caso de Orlando para a gente entender o que motivou o individuo a cometer esse atentado. Do ponto de vista da organização, embora não houvesse ligação operacional com o EI, essa questão psicológica é aproveitada pela organização para angariar simpatizantes. O que interesse para organização que assume esse atentado é o numero de vitimas, além de ocupar espaços nas noticias, e o fato de ter ocorrido nos EUA, um território simbólico para o EI.”

 

Da Redação com informações de Ana Beatriz Rosa no HuffPost Brasil