29/06/2016 00:01
”Reformar o que está em ruínas é tarefa muito mais árdua do que o abandono. Para um cão gravemente doente, a primeira solução é a eutanásia.”
Momentos de crise costumam oferecer riscos políticos ou, dito de outra forma, mergulhos em águas insondáveis. A Grã-Bretanha que, no voto, decidiu romper com a União Europeia. A conturbação em questão é a imigração em massa de muçulmanos para o continente, mas há também as questões da economia, que tende à estagnação e rende preocupações com os próprios bolsos. Generalizando (talvez indevidamente), os britânicos votaram com o fígado, e o primeiro-ministro vai renunciar. O que virá para o povo da ilha e para o do continente?
Crises aguçam o instinto de autopreservação na velha máxima do “meu pirão primeiro”. Mas onde termina essa preocupação e começa o egoísmo? Qual a fronteira entre o zelo para consigo e a intolerância para com o outro, enxergado como inimigo potencial? Na semana passada, três dias de greve das transportadoras de combustível levaram a rumores de escassez. Na noite de quinta-feira (23), os postos estavam abarrotados, com filas de quarteirões. Bastaram 72 horas para muita gente querer encher o tanque. Ainda bem que o risco não era de falta de arroz, pão ou água.
No nosso quintal, a conjunção de crises é que é o problema, o que deixa o nevoeiro a um palmo dos olhos. Há recessão econômica cujas causas estão imbricadas à política, em que se revela uma crise moral e institucional talvez sem precedentes em razão do raio do seu contágio por partidos e Poderes. “Oh, quem poderá nos defender?”
Reformar o que está em ruínas é tarefa muito mais árdua do que o abandono. Para um cão gravemente doente, a primeira solução é a eutanásia. Para um casamento destroçado, a saída é o divórcio. Para a imoralidade política disseminada e arraigada, o primeiro impulso é a opção pela não-política.
Os institutos de pesquisa realizam recorrentemente consultas sobre as instituições mais confiáveis para os brasileiros. Na mais recente, do Datafolha, as Forças Armadas e o Poder Judiciário estão no topo do ranking. No fim da lista, o Congresso Nacional e os partidos políticos. Totalmente justificável do ponto de vista moral: quem garante a ordem e promove a justiça em primeiro, e, por fim, as instâncias onde grassa a imoralidade (que redundam em desordem e injustiça). Este espaço trouxe, há duas semanas, dados do banco Latinobarómetro de 2015 que registram o baixo nível de adesão à democracia para a média dos brasileiros, 21%.
Pois bem. “Estou desempregado, sem comida, sem gasolina e sem segurança? A culpa é dos políticos e da forma como a política é feita!” Pode ser verdade em boa medida, mas nunca uma verdade completa. Contudo, assim como é mais simples culpar o “sistema” em vez de perscrutar minhas atitudes, é tentador negar a política em vez de participar de seu aprimoramento.
A não-política é desacreditar na reforma colaborativa das práticas e das instituições e, então, é também desconsiderar a construção conjunta de soluções. Não-política é depositar minhas angústias nas mãos de um falso messias que me promete “ordem e progresso”, mas só para mim e para os meus. Quem não é como eu não merece, antes, é entrave à ordem e ao progresso.
Por João Gualberto Jr.