Entrevista – Monica Bolle, economista e pesquisadora da Peterson Institute

04/07/2016 11:52

Temer está prestes a perder a trégua dos mercados, diz Monica de Bolle. “O tipo de pressão a que o governo cedeu nesses 40 dias impressiona”, afirma a economista

O governo está gastando o fiscal para ganhar apoio político, avalia Monica de Bolle em entrevista. Para a economista e pesquisadora do Peterson Institute, em Washington, o presidente interino Michel Temer não tem conseguido mostrar que será capaz de aprovar medidas que possam colocar o Brasil em uma trajetória fiscal mais positiva do que a atual.

“O tipo de pressão a que o governo cedeu nesses 40 dias impressiona”, afirma ela. Monica ressalta que Temer está realizando a aposta mais arriscada possível ao tentar comprar o apoio político ao custo de uma piora fiscal imediata. “Uma vez que abriu a porteira como vai fechar? É a mesma coisa que Dilma tentou fazer para se garantir no cargo”, avalia. Veja, abaixo, a íntegra da conversa:

Temer trocou o ajuste fiscal pelo ajuste político? Ou um depende do outro?

Monica de Bolle: Acho que o que ele está fazendo é mais perigoso. Tentando comprar o apoio político e piorando o fiscal de imediato. É a aposta mais arriscada possível. Uma vez que abriu a porteira como vai fechar? É a mesma coisa que Dilma tentou fazer para se garantir no cargo. Para manter a coerência, os formadores de opinião deveriam dizer: Se antes era errado a Dilma jogar o país numa situação ruim de curto prazo, por que é aceitável Temer fazer isso? Isso aumenta o risco de uma crise séria nos próximos dois anos. O mercado resolveu dar trégua esperando que o impeachment passe para ver o poder político que ele vai ter. Até agora não temos nenhuma prova disso.

Os avanços no Congresso até agora não mostram força?

Monica de Bolle: A aprovação do déficit não é uma prova disso porque os parlamentares teriam as emendas paralisada caso não o fizessem. Isso não foi demonstração de força. Tampouco a DRU. Isso não põe pressão porque os brasileiros não conhecem isso, assim como quem está na diretoria do Banco Central. Essas coisas não servem para medir o apoio político de Michel Temer. O que ele quer tentar aprovar faria parte de qualquer campanha presidencial: reforma da previdência, o teto de gastos, isso não é coisa que se faz de um dia para o outro. Ainda que não interino, ele será temporário. Em 2017 a campanha presidencial já começa.

Conseguiremos avançar com algo fundamental?

Monica de Bolle: Não sei por que as pessoas acham que vai ser possível passar as medidas para colocar o Brasil numa trajetória sustentável de médio prazo. Como já estamos gastando no curto prazo, a situação fiscal fica muito mais grave. Em algum momento vai haver um choque de realidade no mercado e uma reprecificação do rico-Brasil, que agora está fora da realidade. Não faz sentido o real estar se fortalecendo e a Bolsa subindo como se tivéssemos retomado a trajetória fiscal.

Então, em qual cenário vamos ficar? É um cenário muito mais complicado. Há um absoluto descolamento entre as coisas e esse curto prazo de limbo. O rali de alívio dos mercados está caminhando em descompasso com o quadro fiscal. Ele não está melhorando. Ele ainda continua piorando. Não vejo o governo fazendo nada de diferente do que nos últimos meses.

Apesar das dificuldades na área fiscal, o Banco Central aparentemente tem conseguido influenciar o mercado com uma visão mais rígida para a inflação. Essa é uma área que o governo tem conseguido algum avanço?

Monica de Bolle: A Selic cair depende de como o BC vai olhar a questão fiscal e, aí, ele fez bem em ser cauteloso e deixar um tom mais duro em relação à inflação. Os problemas do Brasil não estão na política monetária, mas na fiscal. A cautela tem que existir.

Acho, contudo, que a situação do Brasil está tão desconjuntada que não veria problema em reduzir um pouco da Selic para reduzir um pouco as pressões de fluxo de caixa. Acho que não teria mais inflação por causa disso. A inflação tem um lado que é recessão e outro que é fiscal. Ela cai mais de imediato pela recessão, mas no médio prazo só cai pelas contas públicas. Portanto, existe um espaço para o BC ser um pouco mais ousado, mas duvido que ele faça isso porque seria muito criticado pelo mercado. Não pelos empresários. Não estou vendo muita saída. É um imbróglio fiscal embrulhado num cenário político. Não é nada muito diferente do que tínhamos antes.

O novo rumo traçado para o BNDES foi acertado?

Monica de Bolle: Não existe mais a ideia de que o BNDES é instrumento de política econômica. A Dilma tentou isso, mas só causou mais distorções. Vejo agora uma oportunidade de reconfigurar o BNDES e isso é positivo. Ele deixa de ser um problema, além do que ele já foi. Acho que existe um potencial de trabalhar junto com a secretaria de infraestrutura do Moreira Franco e ter um desenho para concessões que possa atrair investimentos externos.

A questão de voltar atrás com a permissão de participação de 100% dos estrangeiros nas aéreas mostra uma importante derrota?

Monica de Bolle: Isso mostra a influência que o Congresso tem sobre as decisões do Executivo. Temer tem mais articulação que Dilma, mas ela não tinha nenhuma. Se ele fosse um grande articulador político, teria que conseguido resistir às pressões. A renegociação das dívidas dos estados, por exemplo, muita gente elogiou, mas eu fiquei impressionada. A renegociação: um plano de reconfiguração da dívida com moratória de seis meses e que só chega a 100% das parcelas em julho de 2018 e sem contrapartida dos estados! E ainda tem gastos que não entram no teto. O tipo de pressão a que o governo cedeu nesses 40 dias impressiona.

 

Por Gustavo Kahil, jornalista e especialista no mercado em O Financista