02/08/2016 11:48
”O debate sobre o tema tem servido para formar pilhas e pilhas de relatos sobre demasias praticadas em todos os níveis do nosso sistema de ensino público e privado.”
Enquanto seu interlocutor falava, ela o observava atentamente. Momentos antes o interrogara sobre se, sendo sociólogo, seria possível graduar-se sem conhecer as obras de Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim.
Bem, o leitor deve estar se perguntando onde transcorria esse diálogo. Vamos a isso, então, antes de interpretarmos a sombra no olhar da professora. Era o programa Entre Aspas, transmitido pela Globo News na terça-feira 26 de julho. A jornalista Mônica Waldvogel convidara o sociólogo Thiago Cortes e a professora uspiana Lisete Arelaro para externarem opiniões a respeito do projeto Escola Sem Partido, concebido pelo movimento com o mesmo nome. O sociólogo falava pelo projeto e a professora em sentido contrário. O palpitante tema, como se sabe, mobiliza parcela da opinião pública nacional e se expressa assim: “Pode ou não a lei, deve ela ou não, impor limites à influência política, ideológica e partidária do professor da rede pública em sala de aula?”. O movimento Escola Sem Partido e a Constituição Federal afirmam que sim. Os professores que estão industriosamente dedicados a essa tarefa, sustentam que não.
O debate sobre o tema tem servido para formar pilhas e pilhas de relatos sobre demasias praticadas em todos os níveis do nosso sistema de ensino público e privado. De modo monocromático, os abusos incluem materiais didáticos mistificadores, aulas panfletárias e conteúdos apresentados com o intuito de ocultar o conhecimento. Como salientou Olavo de Carvalho em recente artigo, é um tipo de ensino que procura manter, do contraditório, distância equivalente à que separa o diabo da cruz. Não satisfeito com a tapeação, chega às ridicularias. Há professores que, no estilo cubano, iniciam as aulas com proclamações políticas. Outros se permitem suspender as atividades para conduzir alunos a manifestações promovidas pela esquerda. E creiam – há um vídeo no YouYube! -, certa professora faz a turma dançar cantando uma besteira na qual Karl Marx é apresentado como mix de funkeiro, Gabriel Pensador e Marilena Chauí. Há quem deixe a vergonha no cabide da sala de professores.
A pedagoga da USP, porém, estava convencida de que a militância de seus colegas era o próprio pluralismo pedagógico e de que ensinar marxismo era a mais nobre e generosa tarefa a que um educador poderia se dedicar. Na sua perspectiva, por certo, os incontornáveis fracassos das experiências marxistas são consequências de um déficit de marxismo e se resolvem com mais Karl Marx.
Voltemos à cena descrita no início deste artigo. A professora perguntara ao sociólogo sobre a importância dos três autores que mencionara. Ele confirmou e explicou, com clareza e limpidez, que o problema não estava em apresentá-los, mas em sonegar aos alunos o conhecimento e a própria existência de expoentes do pensamento não marxista, como Edmund Burke, Roger Scruton, Michael Oakeshott e Russell Kirk. Foi aí que – zaz! A professora franziu o cenho, sua fisionomia sombreou e acenderam-me as dúvidas. Também dela haviam ocultado esses autores? Ou, ao contrário, estava ela confirmando a si mesma que tais nomes deveriam ser impronunciáveis em sala de aula? Ou ainda: como sair dessa?
Veja o vídeo do programa Entre Aspas onde ocorreu o debate:
https://www.youtube.com/watch?v=7c9-uXQtdg4
Por Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.