04/08/2016 14:11
O republicano irreverente saúda espiões russos, ofende soldados americanos e briga contra caciques do próprio partido. E, ainda assim, continua fazendo sucesso
Para um candidato que coleciona declarações chocantes ou simplesmente bizarras – e que faz delas motivo de orgulho -, é até difícil dizer quando um discurso passou do limite.
Mas o republicano Donald Trump parece ter excedido até mesmo seus próprios padrões, numa série de declarações desastradas desde que foi indicado pelo partido para concorrer à Casa Branca, na convenção de 18 de julho.
As pesquisas não detectam perda de votos. Ao contrário, Trump aparece como favorito de acordo com muitos institutos.
Para metade dos eleitores, ele está certo, ainda quando levanta temores de que possa violar a segurança nacional ou quando rema contra a corrente do próprio partido.
Em 15 dias, o milionário americano conseguiu protagonizar um ensaio de incidente internacional, enfurecer uma parte dos veteranos de guerra americanos e retirar o apoio a alguns dos principais nomes do partido para as eleições parlamentares, marcando a posição de eterno “outsider” dentro da própria estrutura republicana.
Espiões russos
Na quarta-feira (27), Trump chamou uma entrevista coletiva para comentar a notícia de que agentes russos teriam violado 20 mil mensagens do Partido Democrata – rival do Partido Republicano, de Trump – durante a campanha eleitoral.
Em vez de condenar o incidente, o candidato surpreendeu e convidou os russos a espionarem também 30 mil e-mails trocados pela rival Hillary Clinton em 2009, quando ela era chefe do Departamento de Estado americano (responsável pelas relações exteriores).
Hillary foi alvo de acusação de negligência por ter trocado mensagens de Estado a partir de um celular no qual usava uma conta pessoal de e-mail. A intenção de Trump era a de trazer à tona o episódio, realçando uma falha no currículo da rival, mas acabou sendo acusado por adversários de “traição” aos EUA.
“Rússia, se você estiver ouvindo, espero que você consiga encontrar os 30 mil e-mails que estão faltando. Acho que você vai ser muito bem recompensada pela nossa imprensa”, disse Trump.
Soldado muçulmano
No domingo (30), Trump usou uma entrevista concedida à emissora americana ABC News para atacar a família de um capitão do Exército americano morto na guerra do Iraque e condecorado como herói.
O militar, muçulmano, havia sido lembrado num discurso emocionado, pelo próprio pai, Khizr Khan, e pela mãe, Ghazala Khan, num dos pontos altos da Convenção Democrata. A estratégia da equipe de Hillary era a de mostrar como a discriminação de Trump em relação aos muçulmanos é nociva, dado que muitos dos seguidores dessa religião são não apenas americanos respeitáveis, mas também heróis de guerra cultuados.
Trump reagiu dizendo que a mãe do capitão permaneceu em silêncio ao lado do marido durante o discurso porque o islã é uma religião machista que não permite à mulher se expressar. Khizr explicou então que a esposa permaneceu em silêncio porque estava emocionada e enlutada pela morte do filho.
A postura agressiva do candidato foi reprovada não apenas por muitos veteranos de guerra – e, obviamente, por rivais democratas -, como também por companheiros do próprio partido.
“Só há uma forma de se referir aos pais de Estrelas de Ouro [em referência à condecoração militar]: com honra e respeito”, disse John Kaish, que foi rival de Trump nas primárias republicanas, mas de quem era esperado apoio ao candidato escolhido, como tradicionalmente acontece.
Companheiros de partido
O entreveiro com os membros do Partido Republicano não parou no caso da família Khan. Após rechaçar as críticas dos colegas de legenda em relação ao militar muçulmano, Trump deu uma entrevista agressiva ao jornal americano “The Washington Post” na terça-feira (2) na qual se recusou a apoiar dois medalhões republicanos que concorrem em eleições para o Congresso.
O presidente da Câmara, Paul Ryan, e o senador John McCain esperavam que Trump fizesse campanha por eles no Arizona e em Wisconsin, respectivamente. Mas o empresário disse que ainda não se sente preparado para apoiá-los nas eleições parlamentares.
A declaração é uma afronta ao “espírito de corpo” que costuma reinar entre os membros de um mesmo partido, além de contrariar o desejo da cúpula republicana, realçando o perfil de outsider de Trump em relação às estruturas formais e às práticas tradicionais da política americana.
Por João Paulo Charleaux no Nexo Jornal