19/09/2016 12:14
”Como bem disse Fernando Pessoa, “Não haverá, enfim/ Para as coisas que são/ Qualquer coisa assim/ Como um perdão?”.”
A presunção da inocência decorre do art. 5º, LVII, da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O que, a rigor, não quer dizer muito. No tanto em que, palavras do ministro Fux (nesse ponto sem divergências, no Supremo), “não há um conceito constitucional de coisa julgada ou de trânsito em julgado”. São temas da legislação infraconstitucional. O colega Edward Carvalho, não por acaso advogado de Léo Pinheiro (Presidente da OAS), exalta o tal art. 5º, sustentando que “O réu só pode ser preso depois de decisão final do Supremo”. Não é bem assim, doutor Edward.
O Supremo estará decidindo o assunto por esses dias. E peço vênia para lembrar que a tradição, no Brasil, foi sempre outra. A de que réus devem ser presos depois das decisões de segunda instância. Ninguém nunca reclamou disso. Ocorre que, em fevereiro de 2009, com o HC 84.078 MG, o Supremo converteu em letra morta a execução provisória da pena. Um ponto na curva, considerando sua posição histórica. Precisamente quando empresários, parlamentares e ministros começavam a ser presos no Mensalão (Ação Penal 470). Coincidência, provavelmente.
Assim se deu até fevereiro de 2016. Quando o mesmo Supremo pacificou a questão com o HC 126292 SP. Só para lembrar, recursos, no Brasil, podem ter caráter suspensivo – caso em que a sentença não produz efeito. Ou ter caráter devolutivo – em que a sentença deve ser imediatamente cumprida. A execução provisória das penas sempre se deu com a decisão colegiada. Antes, com a Lei 8.039/90. E também hoje, com o Novo Código de Processo Civil (art. 995 e 1.029). Nada mudou. A sentença proferida por Tribunal se cumpre, com a execução provisória da pena. E a matéria pode (ou não) ser examinada, em seguida, por STJ e Supremo. Tendo, eventual recurso, efeito apenas devolutivo. Simples assim.
A Constituição jamais pretendeu, com aquela presunção de inocência, manter solto alguém já condenado. Trata-se apenas de um preceito moral. O papel que definiu, para o Supremo, foi outro.
Fundamentalmente, o de uniformizar a jurisprudência. Por isso decidiu, em boa hora, que recursos com efeito meramente devolutivo não podem impedir o início do cumprimento de sentença penal. Por larga maioria de 7 votos (Cármen Lucia, Fachin, Fux, Gilmar, Luiz Roberto, Teori, Toffolli) contra 2 (Celso e Marco Aurélio). E o índice de condenações revistas por STJ e Supremo, segundo notícias dos jornais, é de só 1.1%. Quase todos os casos correspondendo à prescrição. Sem implicar, propriamente, no reconhecimento de que o réu é inocente.
Em 193 dos 194 países da ONU, réu condenado vai preso em decisões de primeira instância. Ou, no máximo, de segunda. Fim da conversa. É inconcebível sequer imaginar que sejamos o único país do mundo em que isso tenha que esperar por julgamento em terceira e quarta instâncias. Como bem disse Fernando Pessoa, “Não haverá, enfim/ Para as coisas que são/ Qualquer coisa assim/ Como um perdão?”. A simples ideia de que, no Brasil, ninguém possa ir para a cadeia antes da decisão do Supremo é, com todas as letras, um escárnio. Especialmente num momento em que grandes empresários, e grandes nomes da vida pública brasileira, começam a chegar perto das grades.
Perigosamente perto.
Por José Paulo Cavalcanti Filho é advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.