28/11/2016 11:51
”Convém não confundir os políticos com a política, essa milenar prática possível de solução de conflitos por meio do diálogo e da possibilidade de convencimento…”
Duas lições principais podem ser tiradas do caso que culminou na demissão de Geddel Vieira Lima. A primeira é que, realmente, o governo golpista de Temer é uma alcateia de hienas. Inspira-se desconfiança de parte a parte, no primeiro escalão mesmo. Há ameaças, pressões, chantagens, e um ministro grava o colega e até mesmo o chefe de Estado em audiência. No dormitório dum sindicato de cleptocratas experimentados, dorme-se com só um olho fechado.
A segunda lição carece de descrição breve, para rememorar. Um ministro pede a outro para dar um jeitinho de passar por cima de uma norma técnica para ver atendida uma questão particular. Pede apenas, não, repede, “trepede”, pressiona. O cabo de guerra mobiliza inclusive o presidente. Energia, cargos e custos públicos para a resolução do “meu problema”, para desembargar “o meu apartamento”. Para tanto, um regramento do Iphan precisava ser descumprido, em favor do “meu pedido”.
Nada mais simbólico do que um órgão responsável pelo patrimônio público ser a barreira a obstar o propósito privado e milionário de quem deveria se pautar pelo interesse do primeiro. Prevaricação pura e plena. Como dizem por aí, o fundo do poço é uma abstração concebida por otimistas.
Pois a lição é o esgarçamento, o nível everestiano de deboche que atingiu a política do autointeresse. Pensar e fazer política para mim, para o ego, para o “meu apartamento” tem novo limite com essa história. De novo, acende na mente o dilema: quem nasceu primeiro, o corrupto, que vai para a política, ou a política corrupta, que corrompe o político? É bem possível que as duas coisas, com uma certeza: a política está corrompida, porque é, eminentemente, pautada pelo interesse próprio e protagonizada por prevaricadores carreiristas.
O liberalismo econômico baseia-se na premissa de que o melhor e mais eficiente que um agente pode e deve fazer pelo conjunto da economia é buscar a satisfação do seu interesse próprio. Sem entrar na discussão da plausibilidade histórica/teórica/retórica desse argumento, o que há que se quer afirmar aqui é que, com a coisa pública, não se dá da mesma forma: na política, o autointeresse não pode e não deve ser maximizada. Política é serviço público, é tentativa de buscar soluções para problemas coletivos, não individuais.
Além da prevaricação, que é a mobilização do patrimônio público em favor do interesse privado, consubstancia-se a egopolítica exacerbada na corrupção sistêmica, no enriquecimento ilícito, na evasão de divisas etc., práticas que matam e idiotizam o povo pobre, que desfruta de políticas públicas mais carentes e menos eficazes porque tem orçamento prejudicado.
Mas não devemos nem podemos nutrir ojeriza pela política. Convém não confundir os (maus) políticos com a política, essa milenar prática possível de solução de conflitos por meio do diálogo e da possibilidade de convencimento, especialmente se pautada no interesse de todos, dimensão que, necessariamente, passa pelo interesse do outro.
Por João Guaberto Jr.