28/03/2017 05:09
Com mais seguidores que Lula no Facebook, o militar da reserva busca apoio na elite, receosa do pré-candidato a presidente que assume pouco saber de setores como a economia
O deputado Jair Bolsonaro quer ser presidente. Ele já se visualiza no segundo turno e, embora nem seja pré-candidato oficial, as pesquisas –Datafolha e CNT– o colocam com uma intenção de voto entre 9% e 12%, respectivamente. Com alta popularidade entre os setores mais conservadores, ciente do relativo sucesso do filho Flavio na campanha pela Prefeitura do Rio, e diante da crise institucional que tomou Brasília, o antigo capitão de artilharia está decidido a medir forças fora da Internet, sua área de conforto. Tem quatro milhões de seguidores no Facebook, mais do que o ex-presidente Lula, seguido por 2,8 milhões de fãs.
Nas últimas semanas, o deputado vem dando entrevistas e participando de programas de televisão populares. Já teve reuniões com alguns representantes da elite paulista e, pela primeira vez, disse ele, sentou-se numa mesa com banqueiros. O mercado e os empresários têm curiosidade sobre o homem que, apesar das suas formas nada diplomáticas e mensagens agressivas, mantêm-se afastado da rotina de escândalos de corrupção e ameaça arrancar alguns milhões de votos dos candidatos tradicionais. É, ainda, um homem requisitado pela imprensa. A reportagem quis falar com o deputado ou algum dos seus colaboradores e a resposta, acompanhada de uma foto da caixa de entrada de e-mails da assessoria, foi: “Temos uma agenda tomada de compromissos: 1.650 pedidos de informação, rádio, TV…”.
Alguns dos empresários que jantaram com Bolsonaro e revelaram depois detalhes à Folha não manifestaram ou reconheceram sua preferência pelo deputado, mas admitiram que queriam ouvi-lo, conhecê-lo melhor. E, precisamente, sobre uma seara da qual o militar da reserva se declara abertamente fraco: “Eu entendo muito pouco de economia”.
A ausência de propostas econômicas relevantes é uma preocupação até para o entorno do deputado, partidário de preencher essa lacuna. Bolsonaro tem se focado até agora no discurso da segurança pública e os valores familiares, mas sua receita contra a pior crise das últimas décadas passa por uns genéricos “diminuir o peso do Estado”, cobrar menos impostos, liberar a exportação de produtos brasileiros ao mundo todo e explorar as reservas de nióbio, metal rico no Brasil. Um membro do PSC, conhecedor do entorno do deputado, compara seus passos de pré-candidato ao do presidente americano.“Trump focava no debate econômico, enquanto Bolsonaro bate numa questão de segurança e costumes sociais. Em algum momento, ele vai ter que botar na prática [suas propostas econômicas], mas não posso afirmar que estejam plenamente construídas”, explica. “Há uma pauta de desburocratização e racionalidade do gasto público, mas ele ainda não bateu o martelo. Ele não tem ninguém para fazer essa parte e ainda não está preocupado com essa questão”, admite o interlocutor do PSC, que gostaria de ver a pauta econômica sendo abordada o quanto antes.
O perfil de Bolsonaro lança dúvidas sobre o modelo econômico que ele defenderia. Ao mesmo tempo, a direita que o apoia clama por uma virada liberal e vê em João Doria, o prefeito de São Paulo, um outsider capaz, sim, de vencer umas presidenciais. “É difícil imaginar Bolsonaro ganhando 2018 sem o apoio da direita moderada no segundo turno. Mas não é fácil para ele, por exemplo, defender os interesses corporativos dos militares ao mesmo tempo em que defende ajuste fiscal. Ele é um nacionalista e um estatista, como a ditadura militar em seus últimos anos”, avalia o sociólogo Celso de Barros.
Bolsonaro, no entanto, acredita que a adesão do capital à sua causa é questão de tempo. “Um [banqueiro] me perguntou se eu já tinha algum economista de nome comigo. O que que eu respondi? Por enquanto eu ainda não desperto confiança no sistema financeiro. Mas após duas conversas, eu tenho certeza de que esse pessoal vai se aliar a mim”, disse Bolsonaro nesta segunda no late show do humorista Danilo Gentili. A autoconfiança de Bolsonaro parece não ter limites. Na procura de um novo partido que abrace sua candidatura – está em crise com o PSC –, ele cogita se ancorar em uma sigla ainda menos representativa que a legenda do Pastor Everaldo, envolvido em discussões internas sobre a sua permanência. “Talvez concorra com um partido sem tempo de televisão. Existe essa chance. Se eu não sou candidato a nada e estou na segunda posição por aí…! A grande mídia hoje em dia são as redes sociais”, contava animado na TV.
O interesse pela figura de Bolsonaro vem crescendo entre os eleitores. Numa pesquisa do Instituto Datafolha de fevereiro de 2016, a mais de dois anos do pleito eleitoral, ele tinha entre 6% e 7% da intenção de voto, dependendo dos competidores. Hoje, a última pesquisa de dezembro do instituto o coloca em quarto lugar com 9% dos votos, num cenário com Lula (PT), Marina Silva (Rede) e Aécio Neves (PSDB) como rivais. “É um ambiente favorável ao crescimento dele. O eleitor está em um momento mais conservador. Aplicamos uma matriz de perguntas que revelou que neste momento a maioria dos brasileiros (54%) é considerada conservadora”, avalia Mauro Paulino, Diretor-Geral do Datafolha. Se perguntados pelo candidato que votariam sem oferecer opções, 3% dos entrevistados responderam espontaneamente Jair Bolsonaro, levando o deputado ao segundo lugar depois de Lula, mencionado por 9% deles.
Homens com dinheiro e ensino superior
Bolsonaro encontra seu público nos homens de 16 a 34 anos das classes mais altas. Na última pesquisa do Datafolha, 29% dos seus potenciais eleitores tinham de 5 a mais de 10 salários mínimos de renda familiar, sendo o favorito nessa faixa, na frente de Marina (26%), Lula (25%) e Aécio Neves (23%). Seu discurso, a favor da castração química para estupradores, o armamento do “cidadão de bem” ou a pena de morte para alguns crimes, também cala entre os mais escolarizados. Ao menos 13% dos que manifestaram seu voto a favor de Bolsonaro contam têm formação superior. Nesta faixa de escolaridade, só Lula supera o militar, com 17% de eleitores, enquanto Marina empata com 13%.
Luiz do Amaral, formado em veterinária e policial civil do Rio de Janeiro, se encaixa neste perfil. Ele é de direita, diz, e despreza o socialismo e o comunismo que só “distribuem o dinheiro alheio”. A linha de pensamento de Luiz parece alinhada com Bolsonaro: “A esquerda teima em passar a mão na cabeça de quem está fora da lei, dizendo que são vítimas do próprio sistema, que não tiveram oportunidade. Eu não acredito nisso em hipótese nenhuma”, afirma. “Meu pai veio da favela, nunca roubou ou estuprou. Quem comete crime tem que ser punido mais severamente”, alega ele, que considera a Constituição “garantista demais”. O policial, que não hesita em gritar “Viva, Bolsonaro!” nos protestos de feministas com o “peito caído de fora”, diz sentir preconceito quando expressa sua ideologia, embora continue defendendo seu mito com o “peito insuflado”. “Eu me identifico com a honestidade dele. Não tem uma mancha na sua reputação. Chamam ele de homofóbico e estuprador, porque não podem chamar ele de corrupto. Eu não sou homofóbico, mas eu não quero ter um filho gay. Ninguém quer”.
Bolsonaro passa, por enquanto, incólume das listas de políticos corrompidos pelas propinas do setor privado. Ele saiu do Partido Popular (PP), um dos mais envolvidos no escândalo da Petrobras, alegando seu desconforto pelas más práticas e critica costumeiramente a corrupção dos colegas. Estes últimos anos de carreira política, no entanto, lhe renderam frutos e de 2010 a 2014 o patrimônio do deputado cresceu mais de 150%, alcançando mais de dois milhões de reais em bens, segundo a declaração registrada no Tribunal Superior Eleitoral. O deputado nestes últimos anos adquiriu, entre outras propriedades, duas casas na Barra de Tijuca de 500.000 e 400.000 reais.
Moderação não é marca da casa
Uma das questões que vem preocupando seus potenciais apoiadores é a falta de moderação, atrativa nas postagens de Facebook, mas arriscada em uma campanha eleitoral. “Ele tem muita força nas redes, mas ele tem problemas para atrair outros setores da sociedade. Ele está tentando moderar o discurso, que ainda é muito agressivo, para uma elite empresarial”, avalia a cientista política Camila Rocha, que estuda a direita liberal dos anos 80 até hoje.
Na última entrevista do deputado à Folha, no entanto, ele parece ter engolido o espírito de Donald Trump dos pés à cabeça: atacou a imprensa, a política tradicional, defendeu “métodos enérgicos” para conseguir informação de presidiários, apoiou combater à violência com “porrada” e desafiou: “Não é a imprensa nem o Supremo [que julga um processo de apologia ao estupro contra ele] que vão falar o que é limite pra mim”.
Quem o conhece, acredita ser improvável a moderação do discurso que até hoje lhe rendeu tantos detratores, como fãs. “Não acho que vai se moderar. Ele é assim, conheço ele. Seria uma surpresa. Mais fácil ele radicalizar mais”, diz seu colega do PSC. “Ele pode se moderar dentro do limite que não signifique se dobrar ao politicamente correto. O que precisa se compreender é que Bolsonaro é um patriota e nem sempre a moderação significa uma virtude”, complementa outro colaborador do partido.
Entre seus fiéis há quem preferisse que Bolsonaro se expressasse de outra maneira e evitasse afirmações como a de que “ter filho gay é falta de porrada”, mas não identificam o radicalismo atribuído a ele. “Eu sou contra todo o extremo, de direita e esquerda. Ele seria extremista se ele dissesse que todo ladrão tem que morrer, mas não é assim que ele pensa. Ele diz que tem que haver um tratamento para que a bandidagem tenha medo de ser punida”, explica Thiago Borges, 36 anos, engenheiro de sistemas de Goiânia (GO) e “defensor da família tradicional”.
Os modos de Bolsonaro, por enquanto, não lhe passaram fatura. A rejeição contra o deputado apenas subiu um ponto percentual: de 17% em dezembro de 2015 a 18% um ano depois. Nada em comparação com a de Michel Temer que, nesse período, passou de 26% a 45%, ou a de Aécio que aumentou de 26% a 30%. A de Lula caiu de 48% para 44%.
“Em uma situação normal, Lula, como também Marina ou um tucano histórico, esmagariam Bolsonaro. Se a política brasileira estivesse funcionando minimamente, Bolsonaro seria só o alívio cômico da eleição de 2018”, afirma Barros, que vê uma aposta do militar da reserva pela crise do sistema. “Mas essa não é uma situação normal”.
Da Redação com informações de María Martín do Rio de Janeiro para o Brasil El País