Opinião – Os assuntos de que disponho são muitos e invariavelmente ruins

03/05/2018 10:36

”Na delação premiada, homologada pelo STF, Carlos Miranda acusa o delegado de ter participado do esquema que levou o ex-governador Cabral à prisão”

O médico Walter Caixeta foi enfim alçado à Academia Mineira de Medicina. Foi eleito para a cadeira que pertenceu ao saudoso obstetra Henrique Machado Horta. Caixeta é o responsável maior por minha saúde física e também mental, ambas fundamentais a minha firme disposição para a dura labuta diária. Em minha última visita a seu consultório, após dizer que continua lendo meus artigos, fez-me esta observação: “O que mais me impressiona na tarefa do jornalista é sua capacidade de separar os assuntos que devem ou não ser tratados semanalmente. Para quem não é do ramo, a tarefa é muito difícil”.

Não pude entrar em detalhes naquele instante porque, depois dessa observação, o profissional passou a tratar dos exames de rotina. A dificuldade – digo-lhe agora – está não na falta de assunto ou na escolha do que deve ou não ser tratado numa coluna de jornal, que também tem seus limites, inclusive de linhas, mas no excesso deles. Adianto, ainda, que o colunista às vezes se revela nas entrelinhas.

Hoje, leitor, os assuntos de que disponho são muitos e invariavelmente ruins. (Tenho a sensação de que o Brasil optou por fazer uma aliança com o mal). Alguns deles: Renato Duque está prestes a fechar acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. Antonio Palocci fez o mesmo, assim como Marcos Valério, mas os dois o fizeram com a Polícia Federal (terá validade perante o Supremo Tribunal Federal?). Na tarde de ontem, no STF, o foro especial pode ter sido alterado (55 mil brasileiros gozam desse privilégio odioso). Continua a luta contra o início da prisão após sentença em segunda instância, com vistas à liberdade do ex-presidente Lula. Cerca de 660 brasileiros têm bilhões em contas secretas na Suíça. Dodge denuncia Lula, Gleisi e mais quatro. As eleições presidenciais se aproximam e ameaçam transcorrer em clima de ódio e dentro de regras viciadas. Os candidatos pululam. Até agora, já apareceram 18, mas o número poderá crescer bastante etc.

Imaginava abordar algum desses assuntos antes de iniciar estas linhas. Por volta das 8h, ao apanhar, na porta de meu apartamento, o exemplar de assinante do jornal “O Globo” do último domingo, dei com os olhos na manchete de primeira página: “Beltrame recebeu por mês R$ 30 mil, diz delator”. A esperança feneceu?

Explico-me logo. Beltrame, ou José Mariano Beltrame, leitor, é um delegado da Polícia Federal sobre quem jamais recaiu qualquer suspeita. Há dois anos, mais ou menos, passeando pela eterna “Cidade Maravilhosa”, ao entrar num dos mais fartos e deliciosos cafés da manhã, no bairro Leblon, avistei em uma mesa, sozinho, o sisudo, dedicado e inatacável secretário de Segurança do governo Sérgio Cabral. Acompanhado de minha mulher, apresentei-me e lhe disse que estava ali para cumprimentar, em meu nome e no de milhões de brasileiros, um gaúcho realmente corajoso. Um homem público destemido, que vinha dedicando sua vida ao combate sem tréguas ao crime organizado. Ao retornar a Belo Horizonte, fiz questão de registrar o encontro neste espaço.

Na delação premiada, homologada pelo STF, Carlos Miranda acusa o delegado de ter participado do esquema que levou o ex-governador Cabral à prisão. A mesada teria durado de 2007 a 2014.

Tudo bem que tudo precisa ser muito bem provado, eu sei, mas só a acusação contra Beltrame já foi um terrível golpe na esperança que sempre nutri e nutro por meu país. Assim o exigem meus filhos e netos.

Na realidade, tudo só depende de nós.

 

Acílio Lara Resende artigo

 

Por Acílio Lara Resende

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