Opinião – O império da barbárie e a falência do Estado

19/07/2018 11:44

”De nada vale a Constituição determinar que segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, quando o cidadão não tem como se defender pessoalmente”

Como entender o roubo à mão armada de inofensiva cadelinha da raça lhasa apso, do interior do veículo que a transportava do pet shop para a residência dos proprietários?

Luna e os donos são apenas algumas de milhares de vítimas da onda incontrolável de violência que assola São Paulo e o interior, provocada por indivíduos desumanos, sádicos, insensíveis, brutalizados pela miséria, indiferentes ao sofrimento das vítimas. Violência que não se limita ao roubo ou furto de cães, de celulares, de bicicletas, motocicletas, de veículos, mas se estende aos arrastões, às chacinas, aos sequestros, ao roubo de cargas, à explosão de agências bancárias, às mortes encomendadas, ao comércio de entorpecentes, à disputa sangrenta de pontos de venda de maconha e cocaína, aos assassinatos de crianças, mulheres e homens.

Dirigida por delegados de carreira, à Polícia Civil incumbem funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais comuns, exceto de militares. À Polícia Militar, subordinada aos princípios da hierarquia e disciplina, competem o policiamento fardado ostensivo e a preservação da ordem pública. Aos bombeiros militares é atribuída a responsabilidade pela defesa civil (Constituição, art. 144). O governador é o comandante-em-chefe das três organizações policiais e o exerce por meio do Secretário da Segurança Pública, habitualmente escolhido na cúpula do Ministério Público.O Rio de Janeiro representa o ápice dramático da incompetência do Estado. Não subestimem, porém, a onda paulista de criminalidade. O PSDB encontra-se à frente do governo estadual há duas décadas. Geraldo Alckmin assumiu quando Mário Covas se afastou em 2001. Renunciou em abril deste ano para disputar a presidência da República. Qual o legado de Geraldo Alckmin e do tucanato na esfera da segurança pública? Para o cidadão comum, o problema apenas piorou.

Admiro a Polícia Militar. Oficiais, sargentos, cabos e soldados são disciplinados e procuram exercer o policiamento ostensivo com determinação e coragem. Se necessário arriscam a vida em confrontos com marginais. Idêntica admiração tenho pela Polícia Civil porque, não obstante as instalações, vencimentos, dificuldades em número de homens, armas, equipamentos, veículos, empenha-se em dar conta das responsabilidades. O Estado de São Paulo tem na Academia de Polícia Militar do Barro Branco, fundada em 1910, e na Academia de Polícia Civil, localizada no interior da Universidade de São Paulo, relevantes instituições de ensino voltadas à formação de oficiais da PM e de policiais civis.

Há décadas ouço governadores dizerem, quando candidatos, que reconhecerão a importância do trabalho policial para a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e patrimônios”, conforme prescreve o artigo 144 da Constituição da República. Na prática, entretanto, muito pouco ou nada fazem, depois de eleitos. Dizem nas ruas, do governo Alckmin, que sucateou e desmotivou ambas as polícias. A região do Palácio dos Bandeirantes é das mais perigosas da Capital.

A expansão da violência urbana e rural nas últimas décadas, como fruto inevitável do desemprego , do empobrecimento, da falência da educação, da falta de moradias, do tráfico de drogas, da multiplicação do número de viciados nas diversas classes sociais, exige o constante reaparelhamento das polícias civil e militar. Em São Paulo, segundo se propala, existem 16 mil moradores de rua debaixo de viadutos ou em barracos de lona, de madeira ou de papelão, e 1,5 milhão ou mais de favelados distribuídos em centenas de comunidades carentes.

O visível insucesso no combate à criminalidade impõe imediata revisão do Código Penal, do Código de Processo Penal, da Lei das Execuções Penais, e de toda a política relativa ao crime e aos criminosos. Diante da tragédia nenhum recurso resta, senão o de apelar à polícia. A sociedade civil lhe exige que seja fiadora da segurança pública, mas se esquece do envelhecimento das leis e da insuficiência de meios.

Em São Paulo e nos demais Estados, sucessivos governos subestimaram o importante papel de ambas as polícias na prevenção e no combate à criminalidade. Observaram à distância a crise social se aprofundar, até atingir o ponto em que hoje se encontra. De nada vale a Constituição determinar que segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, quando o cidadão não tem como se defender pessoalmente, e o Estado – refiro-me à cada unidade da Federação – deixa de garantir aos agentes públicos, encarregados de defendê-la, os meios legais e materiais necessários.

Precariamente defendida por muros e cercas eletrificadas, em torno dos edifícios, grades nas portas e janelas, câmaras de segurança, a sociedade confia nas polícias civil e militar, mas desacredita do Judiciário.

 

 

Por Almir Pazzianotto Pinto, advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

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