30/07/2018 10:54
”É necessário fugir do embate destrutivo. Governo e oposição têm o seu papel na democracia e cabe avaliar com imparcialidade os méritos das respectivas agendas”
A caracterização político-ideológica brasileira tem larga tradição negativa. “Nada se assemelha mais a um ‘saquarema’ (conservador) do que um ‘luzia’ (liberal) no poder”, dizia-se no Império.
Na República, consolidou-se a percepção generalista de que, nestas terras, (a)nunca houve conservadorismo, pois entre os ditos conservadores não há pensamento; (b) que o liberalismo foi sempre uma fachada; e que o (c) socialismo é uma mistura de positivismo e estupidez.[1]
O espírito do Centrão pairava sobre a indiferenciação do caldo político. O grupo –formado por DEM, PP, PR, Solidariedade e PRB– é associado à fisiologia e à proximidade com o governo que aí está. A despeito dos atributos pouco atraentes, era disputado por diversos candidatos.
Ao rejeitar a aliança à esquerda com Ciro Gomes (PDT) e acertar os ponteiros com Alckmin (PSDB), o Centrão involuntariamente abriu vias de agregação de forças nos campos político-ideológicos.
Pode-se falar qualquer coisa do grupo, menos subestimá-lo. No enevoado quadro eleitoral, o Centrão fechou a ação conjunta e chamou as atenções para si. Prova de força, teria exigido a indicação de candidato a vice-presidente da República e apoio na eleição para as presidências da Câmara e do Senado.
A corrente liberal-conservadora assim se consolidou, tornando o apoio do MDB uma decorrência lógica em algum momento. Alckmin pode assim engrossar sua máquina política e seu tempo na propaganda eleitoral. Essa vitória, no entanto, não traz resultados automáticos, tampouco certos.
O Centrão não é prato a ser oferecido para fome de mudança do eleitor. O candidato tucano, agora expressão acabada do establishment, tem de fazer frente à corrente liberal-aloprada de Jair Bolsonaro (PSL). Este último, ao expressar a revolta “contra o que está aí”, possui 12% das intenções de voto estimuladas, contra apenas 4% de Alckmin, conforme a última pesquisa Vox Populi.
A consolidação de forças da banda liberal acende o sinal de alerta no campo alternativo. Cogita-se com ânimo renovado uma chapa envolvendo o PT e o PDT, com potencial de agregação de mais siglas, como o PCdoB, que acenou com essa possibilidade.
A consolidação da via alternativa partiria de uma base potencial de eleitores de 47% das intenções de voto, somando-se os de Lula (41%), Ciro (5%) e Manuela D´Ávila (PC do B, 1%), segundo o Vox Populi. Trata-se de força baseada no PT e, paradoxalmente, bloqueada pelo próprio partido.
O tempo passa e o PT insiste na incerta candidatura de Lula. A insegurança é grande e pouco se avançou em termos programáticos e alianças. A situação incomoda quadros da esquerda. O decano cientista político Wanderley Guilherme dos Santos classificou esse comportamento de “afastamento da realidade” e “campanha autodestrutiva”. [2]
De fato, a prévia do programa petista traz mais dúvidas do que acena com soluções –soa como algo melancólico, comparado com o programa de Lula em 2002. Caberia, numa possível aliança, o alinhamento de propostas realistas, capazes de mobilizar a sociedade como um todo.
O campo liberal, como visto, comporta duas correntes, aqui nomeadas liberal-conservadora e liberal-aloprada. Em comum, elas defendem um projeto econômico baseado em reformas pró-mercado, em um Estado reduzido, em uma ênfase policial ao combate à violência.
O que se designa aqui de campo alternativo bem ganharia ao expor os limites da agenda liberal. Deveria enfatizar a cobrança de capacidade e eficiência do Estado, a necessidade de ação estratégica do país no comércio global, a importância de ligar o combate à violência a uma agenda social ampla e democrática.
O problema, hoje, não parece ser o da indiferenciação, mas, sim, o da indiferença. Esta não vem apenas do eleitor descrente da política –transpira, sobretudo, das lideranças políticas descompromissadas com a crise nacional.
Nenhum dos campos –liberal ou alternativo– pode tergiversar sobre os principais problemas apontados pelos brasileiros, a saber: corrupção (31%), situação política (23%), desemprego (13%) e saúde (10%), de acordo com dados do Latinobarómetro (base 2017).
É necessário fugir do embate destrutivo. Governo e oposição têm o seu papel na democracia e cabe avaliar com imparcialidade os méritos das respectivas agendas.
As reformas e as políticas que o Brasil necessita envolvem consenso de uma base ampla. O diálogo maduro é vital.
Por Edney Cielici Dias, 55 anos, doutor e mestre em ciência política pela USP, é economista pela mesma universidade e jornalista. Escreve semanalmente, aos domingos.
Fonte – Imagem extraída de Gildo Marçal Brandão, “Linhagens do Pensamento Político Brasileiro” (Dados, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 48, no 2, 2005, p. 245). Brandão, obviamente, apresenta a caricatura em tom crítico.