Opinião – Crimes Políticos

12/09/2018 12:01

”Seja quem for o vencedor das eleições, os derrotados deverão curvar-se ao resultado. Somente assim, em 2019 o Brasil reencontrará a paz e retomará o caminho do desenvolvimento”

Crimes políticos, segundo a definição de Nelson Hungria, “são os dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como unidade orgânica das instituições políticas e sociais” (Comentários, vol. I, pág. 195). A tentativa de matar Jair Bolsonoro indica a prática de crime político. O criminoso não foi impulsionado por rivalidade pessoal, ciúmes, dívida de jogo, desavença de rua, embriagues, surto de esquizofrenia. Planejou o gesto homicida com o objetivo de alterar o resultado das eleições de 7 de outubro, ao deliberadamente atacar o candidato à presidência da República cujo nome permanece à frente das pesquisas.

Com o ânimo de matar, Adélio Bispo de Oliveira infiltrou-se na passeata para se aproximar da vítima, e escolher o momento e o local da facada. Circunstâncias imprevisíveis frustraram-lhe o objetivo. Jair Bolsonaro salvou-se graças à rapidez dos policiais que o conduziram ao hospital e à eficiência da equipe médica que o socorreu.

Os anais da História revelam que a política brasileira jamais se caracterizou pela tranquilidade. A proclamação da República não foi pacífica. O exílio de D. Pedro II foi fruto de violência, embora não degenerasse em mortes. O venerando Imperador, a quem o Brasil devia décadas anos de boa administração e de tolerância política, foi expulso com a família para morrer na França, pobre e exilado.

João Pessoa logo após ser assassinado. (Foto: O Cruzeiro)

O governo do marechal Deodoro da Fonseca não se encerrou pacificamente. O sucessor, Floriano Peixoto, recebeu a alcunha de Marechal de Ferro por razões conhecidas. A Primeira República (1889-1930) experimentou longos períodos de intranquilidade. Vale lembrar o episódio de Canudos, o atentado contra o presidente Prudente de Moraes, a revolta dos marinheiros negros liderada por João Cândido, o assassinato do senador Pinheiro Machado. A Segunda República (1930-1945) registra seguidos episódios de violência, a começar pela deposição do presidente Washington Luis, precipitada pelo assassinato de João Pessoa, governador da Paraíba, vingado com o linchamento do João Dantas e seu cunhado Augusto Caldas, quando se encontravam sob custódia na Casa de Detenção de Recife. A era Vargas estendeu-se por 15 anos e se encerrou com o golpe militar que depôs Getúlio Vargas (29/10/1945).

Não haveria espaço neste artigo para relacionar os períodos de turbulência atravessados pelo Brasil, desde o retorno de Vargas em 1º de janeiro de 1951. Basta recordar a tentativa de assassinato de Carlos Lacerda, cometida por homens a serviço de Gregório Fortunato, da qual resultaram a morte do major Rubens Vaz e o suicídio de Vargas. Em dezembro de 1963 o senador Arnon de Mello desentendeu-se com o senador Silvestre Péricles, ambos de Alagoas, e, ao sentir-se ameaçado quando ocupava a tribuna, sacou do revólver e disparou, mas o tiro atingiu o senador José Kairala, que não resistiu ao ferimento e faleceu. Em junho de 1967 a Câmara dos Deputados foi palco de troca de tiros entre os deputados Nelson Carneiro e Estácio Souto Maior, ambos do MDB.

Velório de Celso Daniel: vítima de crime contratado.

Já se sabia que a campanha presidencial deste ano teria todos os ingredientes para não ser pacífica. A cassação de Dilma Roussef, a condenação de lideranças dos maiores partidos, a prisão de Lula, a insistência em tê-lo como candidato, a radicalização das manifestações, indicam que a temperatura política poderá subir até atingir o ponto de fervura.Crimes praticados contra políticos fazem parte dos usos e costumes. A maioria caiu no esquecimento como o atentado ao ex-governador da Paraíba, Tarciso Buriti, em 1993, cujo vice-governador, Raimundo Ásfora, havia sido assassinado em 1987. A expressão pistolagem, embora não dicionarizada, é usada para indicar o crime cometido a mando de alguém, mediante pagamento. Celso Daniel é exemplo de vitima de crime contratado. No Rio de Janeiro o panorama se assemelha à guerrilha urbana. As mortes se sucedem de parte a parte. Morrem civis vítimas de balas perdidas, traficantes e militares, em escala nunca antes vista. A população perdeu a confiança no governo estadual e exige a presença das Forças Armadas. Acredita-se que o assassinato da vereadora Marielle Franco, em março, tenha sido tramado por inimigos políticos.

Pedir serenidade a adeptos da anarquia é inútil. Não aceitam o Estado Democrático de direito, salvo para fazer uso de garantias constitucionais e legais para propaganda da violência e da luta armada. “Nenhuma enfermidade é tão contagiosa quanto o ódio e este é guardado na alma como levedura em fermentação. Quanto mais vítimas faz, mais progride: o mal chama o mal, segundo uma lei bem conhecida”, escreveu o coronel francês Gabriel Bonnet, no livro Guerrilhas e Revoluções (Civilização Brasileira, RJ, 1963, pág. 54).

A palavra serena do general Villas Boas, Comandante do Éxercito, é a garantia de preservação do Estado Democrático de Direito. Seja quem for o vencedor das eleições, os derrotados deverão curvar-se ao resultado. Somente assim, em 2019 o Brasil reencontrará a paz e retomará o caminho do desenvolvimento.

 

 

Por Almir Pazzianotto Pinto é advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor do livro “A Falsa República”.