04/05/2019 14:48
”Deus é o maior devedor desses agiotas da miséria. Calmo e sereno, como sempre, espera o momento certo, para mandar baixar no cavalo da luz…”
Quem escapa da morte nunca mais é o mesmo. O abraço com o nada e o susto da eternidade provoca uma reação química no espirito do quase morto. E tem a luz. A famosa luz que encanta, como o canto de uma sereia, e apavora, como a visão das 72 virgens à espera dos eunucos barbudos. E os ladrões sentem um prazer especial em morrer impunes. Não pelo dinheiro arrecadado, mas pela sensação do poder que chega impune e vencedor, à beira da morte. Assim foi com Judas e suas trinta moedas, antes de sua convocação à forca pelo demônio. Passaram-se dois mil e dezenove anos desse corte temporal da história ocidental, e foi-se a esperança que restava na caixa de pandora. Voou pelos ares e baixou no cavalo de um novo messias, forte e macho, que quer comer todo mundo e dar um jeito definitivo no paraíso do mal: o Terreiro do Brasil, morada permanente do Zé Pelintra e da sua bela Pomba Gira. Charuto de rico e cachaça de pobre se misturam, na chuva, com o sexo da pomba gira e o sangue dos inocentes, trovões, raios, e ouro, muito ouro. O metal preferido do demônio, alquimista da alma humana. Nesse terreiro nunca baixou o santo guerreiro, derrotado em todas suas tentativas de baixar no cavalo arredio do novo messias. Mesmo com todas as galinhas e galos pretos e carneiros sacrificados, os donos do terreiro nunca estão satisfeitos e sempre exigem mais sangue e mais ouro para si e para os seus sacerdotes da política e dos negócios. Juros sobre juros na montanha de dinheiro que formou o maior lixão humano da história dos terreiros. Deus é o maior devedor desses agiotas da miséria. Calmo e sereno, como sempre, espera o momento certo, para mandar baixar no cavalo da luz, o fogo que derrete o ouro, a ambição e a crueldade das milícias do demônio, que protegem os donos do terreiro e já ocuparam até um hospital federal em Bonsucesso, no Rio de Janeiro, para cuidar dos feridos e queimados da turma do Zé Pelintra.
Por Miguel Gustavo de Paiva Torres é diplomata.