08/05/2019 09:03
A ideia é que ao final dos mandatos, em caso de piora, o gestor seja punido
A cidade é o “locus” da civilização, a civilização é a condição essencial para a existência da cidade e o homem civilizado fecha essa tríade civilizatória como seu principal agente. A civilização é um estágio do desenvolvimento humano em que o homem aceita submeter-se a um arcabouço de leis, normas, costumes, princípios religiosos, morais e outros em favor da vivência coletiva, conjunto cuja obediência passa então a interessar a todos. Sem ele a cidade não funciona, nem a Civilização. Comparo a civilização a uma armadura férrea que aprisiona e condiciona o antigo bárbaro travestindo-o de civilizado, o qual, no entanto, à medida em essa armadura venha a enfraquecer tende a escapar e destruir a cidade e a civilização que não lhes são naturais. Por isso os controles civilizatórios, quando legítimos e democráticos, tem que ser fortes o suficiente para se fazerem valer.
A sociedade brasileira vive um momento em que estão sendo contestados ou mesmo descontruídos seus principais parâmetros civilizatórios. E neste contexto se encontram as cidades brasileiras. De instrumentos de promoção da qualidade de vida humana nossas cidades viraram algozes de seu próprio povo. As últimas tragédias urbanas são a continuidade de todas as outras que se sucedem ao longo da história de grande parte das cidades brasileiras e que já são incorporadas a seus calendários como tristes expectativas de novas tragédias e dolorosas lembranças.
Em um país onde as leis não são cumpridas, parece chover no molhado criar mais uma para fazê-las obedecidas
A ciência do Urbanismo é uma conquista da humanidade e uma determinação legal em favor das cidades e de suas populações. Entretanto, a raiz dos atuais males que as afligem está na ausência do Urbanismo ou no descaso oficial com que, de um modo geral, são tratadas suas indicações técnicas consubstanciadas em instrumentos legais como Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano, Leis de Uso e Ocupação do Solo Urbano e Código de Obras, dentre outros.
Os arquitetos e urbanistas, profissionais com competência técnica e legal privativas na área do Urbanismo no país, através de seus Conselhos de Arquitetura e Urbanismo (CAUs), em especial o de Mato Grosso, a alguns anos dedicam redobrada atenção sobre esta triste situação da política urbana nacional que tem implicações negativas e dramáticas nas condições da vida urbana no país, buscando alternativas mais eficazes de intervenção em todas as etapas dos processos referentes ao desenvolvimento urbano.
Assim, em 2017, no Seminário Nacional de Política Urbana e Ambiental promovido pelo CAU/BR, o CAU/MT apresentou com ótima receptividade proposta no sentido da instituição federal estudar e formular anteprojeto de lei para a criação de instrumento legal de responsabilidade urbanística em âmbito nacional, nos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal, com previsão de punição aos gestores que descumprirem a legislação urbanística, dando destaque as referentes às ocupações de risco, seja em áreas definidas como tal ou em edificações sem condições de habitabilidade.
A ideia é que ao final dos mandatos sejam aferidos os respectivos indicadores e, em caso de piora, a autoridade pública gestora seja punida na sua condição de elegibilidade a cargos públicos, sem prejuízo de outras penalidades. Semana passada a proposta foi reapresentada no 1º Encontro Amazônico de Arquitetura e Urbanismo realizado em Macapá por iniciativa do CAU local, e novamente recebida com especial interesse, a ponto de ser incluída entre as propostas da Carta de Macapá.
Em um país onde as leis não são cumpridas, parece chover no molhado criar mais uma para fazê-las obedecidas. Porém, somos condenados à civilização; ou progredimos nela, ou morreremos. E, de fato, parece não haver outra saída.
JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS é arquiteto e urbanista, conselheiro do CAU/MT, acadêmico da AAU/MT e professor universitário aposentado.