Opinião – A propósito de ”privilégios” no Brasil

18/05/2019 15:58

”Basta de tantas ameaças! O país quer criatividade, inovações, soluções e não a propagação do terror econômico, como suposto meio de agregar apoio político no Congresso”

O texto é escrito sem a chegada, ainda, do “tsunami”, previsto pelo Presidente. Apenas continuam abalos sísmicos, quase diários. Nas democracias, os “tsunamis políticos” também têm causas. O Brasil corre esse risco. Até o próprio presidente pressente.

Quais seriam as causas?

Por melhores que sejam as “boas intenções” do governo federal, dois “gargalos” ameaçam o Planalto: desarticulação com o Congresso e “choques internos”, atingindo inclusive o núcleo militar, até agora o que demonstra mais eficiência.

Em qualquer lugar do mundo, as democracias funcionam com o poder Executivo articulado ao Legislativo para facilitar a governabilidade, com respeito às decisões do judiciário.

Raciocínio contrário seria a ditadura.

Na eleição de 2018, com o país em clima de “êxtase”, o candidato vitorioso qualificou o “presidencialismo de coalizão” como “toma lá dá cá”, sinônimo de corrupção. Grave equívoco!

Existiram realmente “desvios” nos governos anteriores. Todavia devem ser apurados e punidos os culpados. A “coalizão política” como método de ação no Congresso é outra coisa. A origem está nas democracias mais tradicionais e nos fundamentos da separação dos poderes.

A propósito do “palanque” de ontem e do “governo” de hoje, um fato merece análise.

Embora desmentido pelo ministro Moro, o Presidente confirma o compromisso de indicá-lo para o STF. Se verdadeiro seria o caso de indagar: teria sido a “velha política” do “toma lá me dá cá”, que gerou o compromisso?

Aliás, essa indicação contraria o pacote de 70 medidas contra corrupção, sugerido pelo próprio Moro, no qual a 29ª medida proíbe a indicação ao STF, de quem tenha sido ministro de Estado, nos quatro anos anteriores, para evitar cooptação.

A questão política básica do governo será “abrir o jogo” e dizer se aceita ou não o “presidencialismo de coalizão”.

Caso rejeite – que é um direito – mostrar como viabilizará a governabilidade, preservada a democracia.

É perfeitamente possível a negociação entre executivo e legislativo, com clareza e objetividade. Nada “escondido”.

Afinal, o Congresso deseja participar do governo, assumindo responsabilidades às claras e dividindo responsabilidades. O presidente Rodrigo Maia tem dito com propriedade.

O próprio líder do partido do Presidente (PSL), Delegado Waldir, foi incisivo ao defender essa “forma de governar”. Disse ele que “não é subordinado ao ExecutivoNós não fomos convidados para a governabilidade. Então nós não participamos”.

A “coalizão política” não caiu do céu por acaso.

Montesquieu na formação do Estado Liberal vinculou essa estratégia de governabilidade ao “sistema de freios e contrapesos”. Consiste no controle do poder pelo próprio poder, ou seja, cada poder é autônomo para exercer as suas funções, porém é controlado pelos outros poderes.

A tripartição clássica existe até hoje nas democracias e está declarada na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão e em nossa Constituição.

Para construir o diálogo, o governo terá que dispor de “agenda clara” (o que até hoje não teve) e montar rede de trocas institucionalizadas, como meio de atingir objetivos nacionais.

Essa forma de agir seria o inverso da estratégia usada ultimamente, que “apavora” e “amedronta” a Nação, com a repetição do anuncio de caos econômico e financeiro, na hipótese do Congresso alterar, em parte, a reforma da previdência, para corrigir certas distorções impostas pela avidez do mercado.

Basta de tantas ameaças! O país quer criatividade, inovações, soluções e não a propagação do terror econômico, como suposto meio de agregar apoio político no Congresso.

O presidente Bolsonaro não tem agido assim. Dá sempre a entender que tem sensibilidade política, como no caso da revisão da tabela do IR há anos reivindicada como direito legítimo do contribuinte.

No caso do decreto das armas, o presidente age com bom senso ao afirmar que, existindo inconstitucionalidades, que sejam afastadas.

O cenário político se torna mais instável, se considerado outro “gargalo”, que são as crises internas do governo.

Como se não bastasse, os ministros sopram ventos uivantes. É o caso do ministro Paulo Guedes com a inoportuna declaração, ameaçadora para o Congresso, de que a reforma da previdência “é tudo nada”.

Ontem pregou a filosofia do “fundo do poço” e o prenuncio de que aposentadorias, pensões e vencimentos públicos não serão pagas em breve, se a sua agenda econômica não for integralmente aprovada pelo Congresso.

Trocando em miúdos, ele quis dizer que não há margem de negociação. A verdade única é a dele e ponto final.

Alias, embora exista no poder um governo conservador de direita, o estilo usado tem sido de incentivo à “luta de classes” (concepção marxista), ao confrontar pobres contra ricos, no combate a supostos privilégios na Previdência.

Onde estão os critérios do bom senso e da razoabilidade?

A única coisa que se impõe no futuro será o governo mostrar claramente os verdadeiros “privilégios” do Brasil, na sua anunciada campanha publicitária de convencimento.

Não necessita muito esforço para identificá-los e desnudá-los perante a opinião pública.

A oportunidade não pode ser perdida. Até por que o editorial do “Estado” já recomendou: “Não é impossível fazer boa política. Quem quer faz”.

 

 

 

ney lopes

Por Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal – [email protected] – blogdoneylopes.com.br

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