Opinião – Taxa de juros em mínima histórica é o novo normal

15/05/2020 00:26

”Vale notar que o verdadeiro plano liberal é alocar diretamente recursos para as famílias, que não têm reservas escondidas como os bancos e empresas de maior porte”

O Copom (Comitê de Política Monetária) reduziu a taxa de juros Selic em surpreendentes 0,75 pontos, levando a taxa anual a 3%, o menor nível da história do Regime de Metas de Inflação. O corte é mais uma resposta aos efeitos da pandemia da covid-19 na economia real. Em meio à crise, o governo adotou um arsenal de medidas, o verdadeiro Plano Marshall, para mitigar os impactos econômicos negativos. Inclui medidas de renúncia fiscal, estímulo às empresas, manutenção da renda das famílias e injeção de liquidez no sistema financeiro.

A queda da Selic acontece no contexto imperativo de deflação no país. O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), balizador do regime de metas no Brasil, atingiu a segunda maior variação negativa da série histórica em abril (-0,31%). Resultados semelhantes devem se repetir nos próximos meses. Apesar de haver algum temor com a pressão inflacionária no futuro, com a retomada mais lenta da economia e a ociosidade do setor produtivo, em especial da indústria, não há razão para pânico. A queda abre espaço para o Brasil ter, temporariamente, taxas de juros reais negativas. É o novo normal, juros reais baixos acompanhado da taxa de câmbio mais elevada.

As taxas de juros reais muito baixas ou negativas incentivam as instituições financeiras a emprestarem mais, em vez de deixarem suas reservas rendendo pouco ou nada. Além disso, beneficiam a dívida pública, pois é reduzido o serviço da dívida, com o menor pagamento dos juros sobre a dívida.

Com a ampliação dos gastos para fazer frente à pandemia, a dívida publica, ou dívida bruta do governo, voltou a aumentar em março, alcançando 79% do PIB (Produto Interno Bruto).

Como objetivo de baratear ainda mais o crédito e estimular o sistema financeiro a ampliar os empréstimos, a redução da meta para os juros acompanhou o anúncio, pelo Banco Central, da regulamentação do Open Banking no Brasil.

Em resumo, o Open Banking visa ao compartilhamento de dados e serviços por instituições financeiras, de forma padronizada e integrada, com o consentimento do cliente. Dessa forma, poderão ser acessadas de uma única vez e a partir de um único dispositivo todas as movimentações financeiras de todas as instituições nas quais o indivíduo participa.

É um estímulo à redução da assimetria de informações entre os prestadores de serviços financeiros. Também ao acirramento da concorrência entre as instituições financeiras, que deverão adotar políticas mais agressivas de retenção de clientes, passando pelas linhas de crédito.

Um dos grandes problemas no mercado de crédito é a pressão concorrencial baixa que leva à prática de altas taxas de juros, mesmo no cenário atual, com a Selic na mínima histórica. Essas taxas elevadas prejudicam o crescimento econômico, principalmente no momento em que grande parte da população e empresas buscam por crédito para sobreviverem na pandemia. Além da possibilidade de redução dos juros, com informações mais transparentes os bancos também terão mais confiança para a liberação de recursos e menos solicitações serão negadas.

Outro aspecto da redução da Selic é tornar a Taxa de Longo Prazo mais cara, o que influencia as operações do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O banco de fomento possui um conjunto engessado de regras que atrasam os repasses de recursos às empresas. Com o aumento esperado da dívida pública pela expansão dos gastos, o que aumenta as necessidades do Tesouro, há mais motivos para que o BNDES devolva recursos ao Tesouro. O banco pode e deve ajudar, pois possui mais de R$ 170 bilhões em passivos com o Tesouro.

Assim, no novo normal os ajustes mais do que nunca serão necessários, com Selic bem baixa e devolução de recursos do BNDES para ajudar o Tesouro a diminuir a divida. No novo normal o Banco Central também pode acelerar o socorro às empresas, “atravessando” os bancos e comprando diretamente títulos dessas empresas.

Por fim, vale notar que o verdadeiro plano liberal é alocar diretamente recursos para as famílias, que não têm reservas escondidas como os bancos e empresas de maior porte. Qualquer proteção a essas instituições não vai afastar movimentos de combinações de negócios, fusões, aquisições, até mesmo extinções, que fazem parte do sistema capitalista.

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).

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