26/05/2020 12:56
”Mercado projeta queda de 5,12% no PIB em 2020 devido à pandemia. Instituições lucram com incerteza. Excesso de recursos deve circular”
As projeções para a economia brasileira em 2020 eram bastante positivas no início do ano, com expectativas de crescimento acima dos registrados nos anos anteriores. Contudo, a pandemia da covid-19 e o isolamento social ocasionado por ela estão prejudicando todos os setores econômicos e fazendo com essas estimativas sejam recalculadas. No último Boletim Focus divulgado pelo Banco Central, a mediana das projeções para o PIB foi de -5,12%. Ainda não se tem os cálculos do efeito total dessa crise, já que ela ainda não tem uma data para terminar e os últimos dados oficiais divulgados são referentes a março, o início da quarentena.
Com esse isolamento e maior cautela dos consumidores na hora de consumir, os comerciantes tiveram que se adaptar ao momento para conseguirem sobreviver. Para isso, muitos recorreram às vendas online e delivery, entretanto, a cultura de compra no Brasil ainda é muito direcionada para o comércio presencial, então essas medidas não estão sendo suficientes para os empresários recuperarem suas perdas geradas pelos estabelecimentos fechados. Sobretudo os micro e pequenos empreendedores, que não possuem muito fluxo de capital e são, assim, os mais afetados pela crise.
Segundo dados do IBGE, o comércio varejista ampliado obteve a maior queda da série histórica em março, com taxa negativa de 13,7%. A maior influência nesse resultado foi a queda de 20,8% no setor de veículos, motos, partes e peças. Dentre as atividades analisadas, somente as de hipermercados e supermercados, com crescimento de 14,6%, e artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos, com alta de 1,3%, tiveram variações positivas. Isso porque são considerados estabelecimentos essenciais e foram mantidos abertos.
O setor de serviços também foi impactado pela covid-19, sendo que é ainda mais difícil para algumas atividades desse setor se adaptarem ao momento e entrarem no mundo digital. Assim como no comércio, o volume de serviços também teve sua maior queda mensal da série histórica em março, com taxa negativa de 6,9%, segundo a Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE. Um dos destaques foi o de serviços prestados às famílias, que caiu 31,2% no mês. Considerando os serviços de atividades turísticas, como hotéis e transporte aéreo de passageiros, a retração foi de 30%.
Uma das consequências dessa forte queda na lucratividade dos empresários é o aumento no desemprego registrado no 1º trimestre do ano, alcançando o total de 12,9 milhões de pessoas nessa situação. A taxa de desocupação no trimestre foi de 12,2%, uma alta de 1,3 ponto percentual na comparação com o trimestre anterior. Com esse aumento, gera-se uma incerteza nos funcionários que continuam empregados em relação ao seu trabalho no futuro, fazendo com que sejam mais cautelosos para consumir e, assim, retrai-se ainda mais a economia.
Para poder aquecer a economia e controlar os efeitos negativos, o governo vem tomando várias medidas pontuais, como a permissão de flexibilização dos contratos de trabalho. Além disso, o Banco Central continuou sua tendência de corte nas taxas de juros e levou a taxa Selic para o seu menor nível histórico, de 3%. Os juros em queda também ajudam o governo a carregar sua dívida com custos menores e as famílias têm maior possibilidade de manter seus pagamentos em dia.
Como a dívida pública estava em trajetória de queda, o governo pôde aumentar provisoriamente os gastos com a implementação do coronavoucher, a saída mais eficaz encontrada por ele para manter a dinâmica da economia. Essa medida pode ser estendida, em menor valor, até a economia começar a se recuperar. Apesar do gasto fiscal ocasionado por ela, permitirá maior arrecadação futura, já que os recursos estão sendo utilizados principalmente para pagar dívidas e consumir. A política de manter a renda dentro de um ambiente de juros baixos é o verdadeiro multiplicador Keynesiano atual. Para financiar esse auxílio, o governo pode até emitir moeda, pois não irá pressionar a inflação, que foi de -0,31% em abril e, com isso, o IPCA acumulado no quadrimestre ficou em 0,22%.
Os bancos estão ganhando muitos recursos, pois os agentes econômicos, devido à incerteza do momento, preferem entesourar moeda do que investir. Com isso, os bancos privados deveriam circular o excesso de recursos e evitar assumir crédito por meio do Tesouro. Eles precisam perceber que o dinheiro público é somente para as famílias, não para empresas e investidores.
Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).