09/06/2020 13:52
”…a imprensa tem noticiado que a maioria dos ministros votará a favor da continuidade do inquérito, a despeito de suas conhecidas irregularidades”
Nas próximas semanas estão pautados para julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) do partido Rede, que questiona a constitucionalidade do inconstitucional inquérito 4781, chamado das fake news, e o habeas corpus que enfrenta a lamentável censura imposta há um ano à Revista Crusoé –caso no qual atuei diretamente como advogado, sem ter tido até o momento acesso ao conteúdo das investigações, e que, no frigir dos ovos, demonstrou que a publicação fora retirada do ar por conter verdades.
Decerto não parece mera coincidência o inquérito, que sempre perambulou no escuro pelos corredores da Corte, ser examinado em seu único momento de euforia pública, quando estampam as manchetes dos jornais diligências contra um punhado de blogueiros que, até onde se sabe, disseram sobre o Judiciário coisas que, bocca chiusa, muitos dos brasileiros também pensam.
A euforia é inimiga da prudência, elemento essencial da decisão sóbria e justa. A impressão que fica é a de estar o STF pautando para julgamento seus maiores desconfortos em seu único momento confortável com o tema, e impondo medidas de força contra meia dúzia de radicais como forma de legitimar um inquérito ilegítimo.
Se o STF, com as últimas diligências noticiadas, está desmantelando uma rede criminosa de notícias fraudulentas, capitaneadas por mentes perigosas que controlam robôs potentes e corrompem reputações, ótimo. Mas então que evidencie a todos o perigo encontrado, que exponha a toda a sociedade o conteúdo das investigações do inquérito cuidadosamente sob sigilo, que regularize o inquérito irregular, e que exclua a censura à imprensa, que remanesce no bojo dos autos, sem ser devidamente extinta.
É compressível, em uma sociedade precária e de viés autoritário como a nossa, a sanha de eleger como via adequada ao trato das fake news a mão violenta do Estado, no lugar da cabeça pensante da Educação. Porém, as fragilidades técnicas do famigerado inquérito que investiga, julga e condena, num mesmo ato, e por uma mesma toga, comprometem com inescusável inconstitucionalidade o mérito em tela, na percepção até do mais entusiasmado tiete de nossa mais alta Corte Constitucional.
Os descaminhos técnicos e o misterioso sigilo imposto a muitos dos investigados são suficientes para que se tornem grandes as chances de todo o esforço virar uma discussão sobre os procedimentos equivocados da Corte, e não sobre o objeto de suas investigações, desviando-se, assim, do debate de questões importantes como as fake news, as liberdades de expressão e de imprensa e os limites que balizam a divulgação de informações na internet.
A atecnia do STF torna questões jurídicas politizáveis; a rigidez da técnica cede à interpretação casuística das decisões. À política calha esse jogo, porque é dele que se alimenta. Ao Direito, tal jogo apenas constrange e aniquila.
A propósito, a imprensa tem noticiado que a maioria dos ministros votará a favor da continuidade do inquérito, a despeito de suas conhecidas irregularidades. Na próxima semana, saberemos se a decisão, afinal, será política ou jurídica. Saberemos se, para nossa Suprema Corte, os fins justificam os meios; fins nem sempre dos mais louváveis.
Por André Marsiglia Santos, 41 anos, é advogado especializado em liberdades de expressão e de imprensa. Membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB-SP, e da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Idealizador da L+: Speech and Press e sócio do Lourival J Santos Advogados.