27/07/2020 12:43
”Partidos tentam driblar Justiça Eleitoral. Cotas eleitorais ainda são necessárias. Vice-governadoras representam avanço. Renovação passa por inclusão feminina
Surpreendidos em 2018 pelo Judiciário –naquele momento comandado por um triunvirato feminino, com Carmen Lúcia no STF, Rosa Weber no TSE e Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República– os partidos políticos foram obrigados a destinar obrigatoriamente 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas.
Muitos tentaram driblar a decisão da Justiça Eleitoral, respaldada pela Corte Suprema, lançando “candidatas laranjas”. Aquelas mulheres que, conscientemente ou não, aceitam apenas cumprir tabela para fechar a chapa para as disputas proporcionais.
Só que, desta vez, interessados diretamente em usufruir dos recursos aos quais as candidatas femininas passaram a ter direito.
Eles não contavam com uma fiscalização tão rigorosa e a jurisprudência deixada como alerta às legendas que forem flagradas com candidatas laranjas: a cassação de todos demais integrantes da chapa como punição.
‘DOTE’ ELEITORAL
Outro subterfúgio, encontrado para reforçar o caixa de candidaturas masculinas a cargos majoritários, foi o de aceitar ou até mesmo estimular a indicação de mulheres para comporem chapas à Presidência da República, a governos estaduais e ao Senado.
Nas últimas eleições houve um crescimento de 163% no número de candidatas à segunda suplência e de 93% à primeira suplência para o Senado, em relação a de 2014.
Quase 40% das chapas aos governos estaduais tiveram uma mulher como vice, isso sem falar das outras 4 escolhidas para disputar o cargo de vice-presidente da República.
Longe de prejudicar tais mulheres, o drible partidário acabou garantindo mais um avanço para elas, já que antes tais postos eram oferecidos preferencialmente para homens.
Há de se reconhecer que o movimento foi estimulado pelo ‘dote’ do Fundo Eleitoral, assegurado pela Justiça Eleitoral para as candidaturas femininas. Pouco importa isso.
A oportunidade foi agarrada com unhas e dentes por essas candidatas. E hoje o país conta com nada menos do que seis vice-governadoras: Jacqueline Moraes (ES), Regina Sousa (PI), Luciana Santos (PE), Izolda Cela (CE), Lígia Feliciano (PB) e Daniela Reinehr (SC).
Podem até achar que isso é pouco. E talvez seja, para um país com 52% de mulheres na composição de sua população.
Mas vale lembrar que desde a redemocratização, o Brasil já viu 3 vices serem alçados ao posto de presidente da República, todos homens: José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer. Ou seja, esse também é um caminho para se chegar ao poder.
AS COTAS AINDA SÃO NECESSÁRIAS
Ninguém está aqui defendendo que alguém vote em um candidato apenas pelo seu gênero. Isso diminuiria o esforço e a luta de tantas mulheres para que suas vozes passassem a ser ouvidas e respeitadas pelo poder público.
Porém, é preciso garantir oportunidades iguais para que representantes de todos os gêneros tenham influência nas estruturas partidárias e na definição das políticas públicas do país.
O desfecho melancólico do governo de Dilma Rousseff será apontado por muitos como exemplo de que a presença feminina no psoder não é garantia de sucesso.
Mas antes de Dilma, quantos homens passaram pelo cargo e cometeram os mesmos ou mais erros do que ela?
Não estou aqui julgar ninguém, tampouco absolver quem quer que seja. Tento me atear apenas aos fatos e a partir deles, tiro minhas conclusões.
Dispensar a cota para as candidaturas femininas seria o ideal. Mas ainda estamos longe de poder abrir mão disso, tendo em vista que foram exatamente os 30% de vagas destinadas a mulheres que abriram, na marra, os partidos a várias lideranças femininas.
NOVAS ESTRATÉGIAS
As tentativas sem sucesso para se reverter o avanço feminino na política levaram os ‘donos’ do poder a pensar em novas estratégias para manter a situação sob controle, masculino, é claro!
Tem partido que decidiu trocar candidatas laranjas por mulheres jovens e bonitas, que possam dar ares de renovação à velha política.
Foi o que escutou recentemente uma dirigente partidária ao chegar para uma reunião no diretório estadual. Critério que, segundo ela própria, a vetaria nos dois quesitos, a despeito de seu trabalho de base e da militância de anos.
Nem por isso, ela baixou a cabeça. Segue trabalhando firme, disposta a identificar verdadeiras lideranças políticas escondidas pelo Brasil a fora, sem se importar com a idade ou a aparência que elas tenham, mas com suas ideias.
As mulheres podem sim ser a nova cara da política. A renovação que tantas legendas buscam certamente passa pela ampliação da participação feminina na discussão das políticas públicas.
Mas é importante e necessário que elas não sucumbam aos vícios da má política, tampouco repitam padrões que levaram boa parte da população a rejeitar a classe política de um modo geral e a colocar em dúvida a eficiência da democracia brasileira.
Por Adriana Vasconcelos, 53 anos, é jornalista e consultora em Comunicação Política. Trabalhou nas redações do Correio Braziliense, Gazeta Mercantil e O Globo. Desde 2012 trabalha como consultora à frente da AV Comunicação Multimídia. Acompanhou as últimas 7 campanhas presidenciais. Nos últimos 4 anos, especializou-se no atendimento e capacitação de mulheres interessadas em ingressar na política.