07/05/2021 13:27
Demanda e rentabilidade em baixa
Inversões e inovação insuficientes
Desintegração de cadeias produtivas
O definhamento da economia brasileira vem de longe. A rigor, já lá se vão 4 décadas, desde os anos 80 do século passado, de crescimento aos trancos e barrancos, com longos períodos de retrocesso entre curtos intervalos de suspiros de recuperação.
Essa trajetória regressiva se acelerou depois de uma fase relativamente curta de melhorias, inclusive sociais e institucionais, nos governos FHC e Lula. Mas voltou a se agravar nos últimos 7 anos. Primeiro como reflexo de uma recessão profunda, depois com uma pandemia devastadora e, finalmente, na esteira do desastroso governo Bolsonaro.
É possível ligar um fio condutor explicativo do fechamento de fábricas e da saída de multinacionais do país. Insuficiência de investimentos e de inovação, em combinação com contração da demanda, sistema tributário inóspito à produção, desintegração das cadeias produtivas, além de incertezas políticas e jurídicas, estão na base da marcha à ré.
O fenômeno é forte no segmento de veículos, atinge a área de eletroeletrônicos, mas afeta também serviços e produção industrial em geral. Só o setor primário, na indústria extrativa de petróleo e gás, e no agronegócio movido à demanda internacional, parece escapar.
No começo desta semana, o jornal Valor noticiou a saída do Brasil do grupo cimenteiro franco-suíco LafargeHolcim, que ocupa a 3ª posição entre as empresas do setor, com dez fábricas e presença de longa data no país. Baixa rentabilidade no mercado brasileiro e estratégia global de atuação concentrada em mercados de moeda forte estariam entre as alegações que levaram à decisão.
Não se trata de um episódio isolado. Problemas de rentabilidade e competitividade, falta de empuxo inovador, deficiências de infraestrutura e ambiente de negócios hostil avançaram e se acumularam para determinar, nos últimos anos, uma devastação produtiva. Levantamento do jornal O Globo aponta que, desde 2018, uma multinacional a cada 3 meses, num total de pelo menos 15 marcas, anunciou desistência do mercado brasileiro.
Além das montadoras Ford, Mercedes Benz e Audi, da lista fazem parte a fabricante de eletroeletrônicos Sony, laboratórios farmacêuticos, caso da Roche e da Eli Lilly, e varejistas, Walmart e Fnac. O exemplo do setor de veículos ajuda a entender o que levou à debandada: a produção setorial, que chegou a representar um pico de 1,1% do PIB em 2008, não significou mais do que 0,2%, em 2019 e 2020.
Durante anos entre os 3 destinos mais procurados pelos investimentos diretos externos na produção, o Brasil não saiu inteiramente do foco dos investidores internacionais, mantendo, antes da pandemia, em 2019, a 6ª posição, representando pouco menos de 5% dos fluxos globais.
De todo modo, a contração do Investimento Direto no País (IDP) não foi pequena, com queda de mais de 25% entre o pico de US$ 97,4 bilhões, em 2011, para US$ 72 bilhões, em 2019. Isso sem falar em 2020, quando total não passou de US$ 34,2 bilhões, o menor desde 2009, ano inicial da crise global deflagrada com a quebra do banco Lehman Brothers.
Independentemente dos efeitos da pandemia, nos últimos anos, o IDP se deslocou, crescentemente, para o setor primário. Estudo da Sobeet, entidade que acompanha os movimentos do investimento externo no país, mostra que as inversões no setor primário saltaram de 14,3% do total investido, na média do período 2011 a 2018, para 24,9%, na média de 2019 até junho de 2020. Chama a atenção a concentração no segmento de petróleo e gás, que passou de 8,3% do total para 17,2%.
Ao mesmo tempo, nos mesmos intervalos, os investimentos externos na indústria desabaram de 34,6% para 22,7%. O maior tombo foi na metalurgia, com queda de 4,7% para 0,7% do total. No setor de veículos, o recuo foi de 6,2% do total para 4,4%.
Nos serviços, o IDP permaneceu praticamente estável, avançando, entre os dois períodos, de 50,6% do total para 51,9%. O avanço, porém, ficou concentrado na área de saneamento, gás e eletricidade, registrando-se, em paralelo, queda no comércio (de 9,6% para 8% do total) e em telecomunicações (de 3,8% para 1,2%).
O caso das empresas multinacionais é apenas a ponta de um iceberg. Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo, localizou o fechamento de 40 mil unidades fabris, de 2015 a 2020. Nos últimos 6 anos, 18 fábricas baixaram as portas definitivamente a cada dia útil.
A taxa de investimento do setor público tem sido insuficiente até mesmo para repor o estoque de infraestrutura existente. Manutenção deficiente de infraestrutura torna as operações cotidianas das empresas ainda mais onerosas. Reflexos negativos dessas dificuldades batem na taxa de investimento do conjunto da economia, que mal consegue superar 15% do PIB, uns 7 ou 8 pontos abaixo do mínimo necessário para assegurar expansão sustentada à atividade econômica.
O corte abrupto da demanda, causado pela pandemia de covid-19, encontrou as empresas às voltas com interrupções nos fluxos de suprimentos e desarranjos nas linhas de produção. No ambiente econômico, desequilíbrios fiscais, agravados por políticas de cunho contracionista, mas pouco efetivas no controle dos gastos, têm imposto bloqueios fortes aos investimentos públicos, sem os quais as inversões privadas também não se apresentam.
Mesmo antes da pandemia, os investimentos públicos estavam à míngua. De um tímido pico de 1% do PIB, em 1989, as inversões do governo federal caíram pela metade, em todos os anos seguintes, a partir do governo FHC, com exceção de 2010, com Lula, e 2013, com Dilma Rousseff, quando alcançaram 0,8% do PIB e 0,7% do PIB, respectivamente. Com a pandemia, as dificuldades para empresas se acentuaram.
A falta de recursos em inovação é outra pedra no caminho. Enquanto a aplicação de recursos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), nos Estados Unidos, corresponde a quase 3% do PIB por ano, chegando, na emergente Coreia do Sul, a cerca de 5% do PIB, no Brasil, não passa de 1,3% do PIB, com participação governamental de não mais de 0,5% do PIB.
Na pandemia, a negacionista e desastrosa gestão do governo Bolsonaro está resultando em contágio descontrolado, colapsos hospitalares, mortes em escalada inaceitável. Isso obriga governadores e prefeitos a impor toques de recolher e lockdowns, numa versão brasileira ineficiente, que produz o pior dos mundos. Nem as curvas de contágio e mortes caem, nem a atividade econômica fica liberada.
Uma 2ª onda mais agressiva, para a qual o governo não se preparou, e que se estende diante da escassez de vacinas, boicotadas pelo presidente Jair Bolsonaro até recentemente, está ampliando as restrições e as dificuldades à economia. Sem programas de sustentação, diferentemente do resto do mundo, no Brasil, as empresas estão sem fôlego e na UTI, respirando por aparelhos. Na pandemia econômica, empresas fecham e multinacionais vão embora do país.
Por José Paulo Kupfer, 70 anos, é jornalista profissional há 51 anos. Escreve colunas de análise da economia desde 1999 e já foi colunista da Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo. Idealizador do Caderno de Economia do Estadão, lançado em 1989, foi eleito em 2015 “Jornalista Econômico do Ano”, em premiação do Conselho Regional de Economia/SP e Ordem dos Economistas do Brasil. Também é um dos dez “Mais Admirados Jornalistas de Economia”, nas votações promovidas pelo site J&Cia. É graduado em Economia pela Faculdade de Economia da USP.