COP26 – Brasil será ”forçado” a uma possível redução de consumo de carne

03/11/2021 13:08

“A presença do Brasil parece tática para amaciar a imagem do do presidente Jair Bolsonaro; Corte no consumo de carne seria por meta de acordo de redução de metano”, diz Carvalho

O metano virou a estrela da COP26, o encontro que acontece em Glasgow, na Escócia, até o próximo dia 12. A razão é estratégica: reduzir o metano é a maneira mais rápida para baixar o aquecimento da Terra, de acordo com o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP, criador da hipótese, em 1991, de que a Amazônia pode virar savana se o desmatamento não for detido.

Metano é o segundo maior responsável pelo efeito estufa, atrás do gás carbônico, o CO2. Sua capacidade de aquecer a atmosfera, porém, é muito maior do que o CO2. Se você jogar no ar uma tonelada de metano e uma tonelada de CO2, o metano aquecerá a atmosfera 28 vezes mais rapidamente. Metano é o principal componente do gás natural e é produzido também com a criação de gado, desmatamento e lixões. É por isso que esse gás virou a estrela da COP26. A redução do metano é um atalho para evitar o apocalipse climático. O que era um gás fedido –figura de linguagem, pois não tem cheiro– virou um gás virou a estrela da COP26. A redução do metano é um atalho para evitar o apocalipse climático. O que era um gás fedido –figura de linguagem, pois não tem cheiro– virou um gás encantado.

A boa notícia é que mais de 100 países assinaram nesta terça-feira um acordo para reduzir em 30% a emissão de metano até o final da década em relação a 2020. O acordo foi anunciado pelo presidente dos EUA, Joe Biden, e por Ursula von der Leyen, a belga que preside a Comissão da União Europeia. Segundo Biden, 70% dos maiores emissores endossaram o acordo, entre os quais estão metade dos 30 maiores poluidores. Estados Unidos, União Europeia, Brasil, Indonésia, Paquistão e Nigéria são alguns dos maiores poluidores que concordaram com a meta. Ficaram de fora os três maiores emissores de metano: China, Rússia e Índia (nessa ordem). Os EUA são o quarto maior poluidor de metano e o Brasil, o quinto.

É ótimo que o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenha endossado o pacto proposto por Biden e Von der Leyen. O Brasil tem o maior rebanho de gado do mundo, segundo dados do IBGE do ano passado, com 218 milhões de cabeças. O metano resulta do processo de digestão do gado, emitido a partir de flatos e arrotos.  O rebanho brasileiro responde por 73% das emissões de metano entre 1990 e 2019, segundo levantamento do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, que faz parte da ONG Observatório do Clima.

O fato de o Brasil ter assinado o acordo parece mais uma estratégia para amaciar a imagem de troglodita que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) espalha pelo mundo do que uma preocupação real do governo. A Embrapa faz ponderações sérias sobre a forma de contabilizar emissões de metano pela pecuária, mas o presidente Bolsonaro já optou pela anticiência. Contra todas as evidências científicas, o governo brasileiro defendeu nos debates preparativos para a Cop-26 que a pecuária não é a vilã do aquecimento global.

O governo brasileiro atuou fortemente para que não houvesse redução no consumo de carne, como dizem alguns dos principais cientistas do mundo, entre os quais o brasileiro Paulo Artaxo, físico da USP e integrante do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU). Artaxo defende que as medidas paliativas de redução de emissão de metano não são suficientes para reduzir de forma significa a presença de gases na atmosfera. Segundo ele, é preciso “comer menos carne”

Conservadores e integrantes da extrema direita como Bolsonaro tratam essa receita como chacota, algo mezzo hippie, mezzo ecologista maluco beleza. Pode soar engraçado na mesa de bar, mas não como proposta de governo. Seria fácil ridicularizar essa proposta como mais uma fake news da extrema direita, mas a ideia é mais complexa. A Argentina, com um governo populista de esquerda e antípoda ideologicamente de Bolsonaro, defende a mesma posição. O Uruguai, com menos ênfase, também critica a visão do IPCC de que é preciso substituir carne por proteínas vegetais.

cone Sul, que já foi uníssono na defesa da tortura, no período das ditaduras, agora se une pelo consumo da carne.

O ex-presidente Lula não se parece em nada com Bolsonaro, na minha opinião, mas já defendeu o direito de os pobres comerem picanha e poluírem as cidades com seus carros. Todos estão defendendo o direito dos seus eleitores. Bolsonaro se alinha com ruralistas trogloditas, invasores de terras públicas e garimpeiros. Lula diz defender os miseráveis que, segundo o PT, acham que civilidade é igual a mais consumo, não a mais direitos.

A hidrelétrica de Belo Monte, um monumento do PT que parece ter sido construído pela ditadura, e não por uma de suas vítimas, a ex-presidente Dilma Rousseff, está lá para provar que a esquerda é capaz de promover desastres ambientais em escala amazônica.

O desastre atual, porém, não tem nada a ver com o PT. É Bolsonaro puro. Foi no governo dele que as emissões cresceram 9,5% em 2020 enquanto no resto do mundo houve uma queda de 7% por conta da pandemia da covid-19.  A maior parte das emissões cresceu por causa de desmatamento.

Foi no governo Bolsonaro que um ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, teve de ir para casa para não ser preso. Era um dos ministros prediletos de Bolsonaro.

O acordo aprovado tem um defeito de origem: não estipula metas para cada país, mas apenas uma meta global. Parece ser mais um acordo que soa grandiloquente no anúncio e pouco ou nada efetivo na prática. O governo Bolsonaro, por exemplo, não tem nenhuma medida concreta para reduzir a emissão de metano na pecuária; só há uma meta genérica para “gás carbônico equivalente”. O governo acha que isso é desnecessário, como expressou com clareza nos debates pré-COP26.

 

 

 

 

Por Mario Cesar Carvalho, 59, é jornalista e escritor, autor dos livros “O Cigarro” e “Registro Geral”, sobre o Carandiru. Trabalhou na Folha de S.Paulo como repórter especial e editor do caderno Ilustrada. Escreve para o Poder360 às quartas-feiras sobre o “Futuro Indicativo”.

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