Opinião – A maior virtude da nova Lei de Licitações é simplesmente existir

07/12/2021 10:05

”já podemos chamar a saideira e brindar as leis mortas, as leis vivas e as leis muito vivas”

“Os Candangos”, escultura em bronze de Bruno Giorgi, datada de 1959, localizada na Praça dos Três Poderes. Foto: Marcos Corrêa/PR

Ainda faltam uns 20 dias para o fim do ano, mas já podemos chamar a saideira. 2021 foi um ano e tanto para o Direito Administrativo. Comecemos pelo impossível: em 1993, Itamar Franco relançava o Fusca; Clinton assumia nos EUA. Mas, para o Direito Administrativo, o que importava era a edição da Lei 8.666/93. Minuciosa, detalhista, seria ela o remédio para a corrupção nas compras públicas?

Não foi, e vivemos décadas comendo-lhe as beiras, aprovando leis que modernizavam o regime. Contudo, a 8.666 ficava lá, paradona, bovina e flácida, monumento neurastênico a si própria. Pois principia a morrer a desgraçada. A nova Lei de Licitações, que, é claro, ainda tem muito de Lei 8.666, faz lá suas gracinhas (um portal, um diálogo competitivo), mas sua maior virtude é – como diria o bilhetinho brega do namorado – simplesmente existir.

Também se espera que a Lei de Improbidade, outra legislação alterada em 2021, deixe de meter medo injusto. Sem culpa, mas com um dolo acertado, exigindo prova de prejuízo e limitando um pouco a preguiça dos princípios (a ver), alterou prazos de prescrição e restringiu a legitimidade ativa da ação de improbidade ao Ministério Público. Há certa disputa de narrativas acerca de seus méritos últimos, mas a impressão que se tem é a de que só mexer no vespeiro já é qualquer coisa de muito. Diga-se ao legislador o que o bêbado, na blitz, falou ao motorista abstêmio: andou bem.

No plano da organização administrativa tivemos a autorização para a privatização da Eletrobras, mas vai na velocidade da cartinha a privatização dos Correios. A reforma administrativa andou, andou, até que desidratou – e não saiu do lugar, era uma viagem redonda. Alterou-se, ainda, a lei do processo administrativo federal, criando a esperança de uma decisão administrativa menos descoordenada.

Talvez a decisão judicial mais importante para o Direito Administrativo tenha sido o julgamento da ADI 6696, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a validade de norma que, de origem parlamentar, fixou certas garantias de neutralidade aos diretores do Banco Central. Agora já no finalzinho do ano o Supremo validou as alterações no Marco Legal do Saneamento (ADIs 6492, 6536, 6583 e 6882). Era esperado, mas não deixa de ser uma afirmação de bom senso.

Na prática da infraestrutura tivemos o leilão da Cedae e do 5G, eventos bastante aguardados. Consolida-se a arbitragem pública e se critica – como em todos os anos – a judicialização excessiva. E, por falar em excessivo, o Tribunal de Contas da União (TCU) confirmou que, em sua opinião, é ele quem manda mesmo e acabou.

Mas, como eu ia dizendo, já podemos chamar a saideira e brindar as leis mortas, as leis vivas e as leis muito vivas.

 

 

 

 

Por José Vicente Santos de Mendonça, é professor adjunto de Direito Administrativo da UERJ. Coordenador do UERJ Reg. Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. Master of Laws por Harvard.

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