Opinião – De Marilyn ao Ipiranga

06/01/2022 06:26

”Mas quem achava que era uma lei natural a reação de jovens a sociedades repressivas caiu do cavalo. Dá uma olhada em volta”

Independência ou Morte, obra de Pedro Américo, exposta no Museu do Ipiranga. Foto: Wikimedia Commons

Para iniciar 2022 pisando de manso (com a leveza que o ano não promete), segue um desfile de efemérides para um doce exercício de alienação – ou nem tanto, porque hoje em dia até palavras cruzadas podem ensejar pensamentos sôfregos. Mas ninguém poderá dizer que não tentamos:

1) 60 anos sem Marilyn Monroe. Momento propício para pensar que um decote e uma atitude podem dizer mais que mil panfletos mal escritos;

2) 20 anos do Pentacampeonato no Japão. Em ano de Copa do Mundo, vale notar que a última conquista, já tão distante, talvez tenha sido também a última encarnação humilde da seleção brasileira – os operários da “família Scolari”, o mesmo que 12 anos depois amargou o 7 x 1 jogando em casa com penteados caprichados;

3) 30 anos da Eco 92, a conferência mundial de meio ambiente no Rio de Janeiro. Era a última chance de evitar o fim do mundo. De lá para cá apareceram várias últimas chances, nenhuma delas nos alertando sobre o que realmente pode estar levando a humanidade para o brejo;

4) 80 anos da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Começava a difícil e sangrenta vitória contra o nazifascismo. Momento propício para se pensar a falta que faz um espelho retrovisor;

5) 200 anos da Proclamação da Independência. A julgar pelo nível de tolerância geral com o atropelo da liberdade e de outros direitos básicos por tiranetes dissimulados, o grito de D. Pedro I às margens do Rio Ipiranga saiu de moda;

6) 40 anos do surgimento da Blitz. Você não soube me amar, ok, você venceu, batata frita. O romantismo praiano de Evandro Mesquita falava das coisas da vida que não eram ainda um grande cadastro moralista. Betty Frígida e Rony Rústico hoje não passariam na blitz dos hipócritas;

7) 100 anos da Semana de Arte Moderna. Se afetação fosse arte o mundo hoje seria uma obra prima;

8) 20 anos da eleição de Lula como presidente da República. O sonho de justiça social a partir da ascensão de um líder popular ao posto máximo de comando do país trouxe a constatação de que a diferença entre um castelo de areia na beira do mar e um comovente discurso de bondade é que no segundo caso tem muita gente disposta a dizer que a culpa foi do mar;

9) 10 anos do início do julgamento do Mensalão. Considerando-se a situação atual de vários dos envolvidos, o caso pode ser classificado tanto como roubo quanto como investimento;

10) 60 anos da chegada dos Beatles às paradas de sucesso. A beatlemania se transformou numa onda com força suficiente para empurrar várias mudanças de comportamento em pouco tempo. Mas quem achava que era uma lei natural a reação de jovens a sociedades repressivas caiu do cavalo. Dá uma olhada em volta.

 

 

 

 

Por Guilherme Fiuza, jornalista e escritor com mais de 200 mil livros vendidos – entre eles: “Meu nome não é Johnny”, “3.000 dias no bunker” (ambos adaptados para o cinema), “O Império do Oprimido” e “Manual do Covarde”, Guilherme Fiuza trabalha para veículos como Jovem Pan, Gazeta do Povo e Revista Oeste. Seus canais no YouTube, Twitter e Instagram somam mais de 1 milhão de seguidores. Seu sonho é parar de falar de política – assim que a política permitir.