Opinião – O pão mais caro a cada dia

”Não estamos apenas falando do preço do pãozinho do final da tarde, estamos falando do macarrão, dos biscoitos, dos bolos, de ração animal e até mesmo da cerveja!”, escreve Luciano Vaccari

20/03/2022 06:35

”Brasil não investiu na cultura de um alimento essencial: o trigo”

Imagem: arquivo Correio da Semana

A trajetória brasileira de investimentos na agropecuária é incrível. A evolução das décadas de 70 e 80 para cá é prova concreta disso. Naquela época, nem sonhávamos com a possibilidade de produzir 30 arrobas por hectare, era um boi para cada três hectares, sendo abatido com mais de cinco anos.

Com a produção de grãos, o cenário não foi diferente. Ninguém imaginava plantar soja no cerrado por exemplo. Além do desenvolvimento de variedades genéticas adaptadas à região, técnicas de correção de solo e outros fatores fizeram com que o Brasil se tornasse um dos maiores e mais importantes produtores de alimento do mundo.

E se não bastasse esses exemplos, ainda poderíamos falar do milho. Em 2000, o milho safrinha era menos de 30% da produção. Hoje ele já é 70% da produção anual. Entre boi, soja e milho, algo em comum: investimento em pesquisa e inovação. Esse é o coração do desenvolvimento do agro brasileiro.

Recentemente, porém, uma fragilidade em meio ao protagonismo da agropecuária foi exposta: o Brasil não investiu na cultura de um alimento essencial para a sociedade: o trigo.  Insumo fundamental para uma gama de alimentos que estão presentes no dia a dia não apenas dos brasileiros, mas do mundo inteiro.

O trigo é uma cultura milenar, que surgiu na Mesopotâmia, antes mesmo da criação de animais, para alimentar as pessoas.

Com o passar do tempo, seu cultivo foi se espalhando pelo mundo, chegou na China cerca de 2000 anos antes de Cristo e depois foi levado de lá para a Itália. Ganhou o mundo. No Brasil, o trigo chega em meados do século XVI, ainda no tempo da colonização.

Mas a verdade é que a cultura do trigo nunca foi profundamente difundida no país, que se tornou dependente da importação do cereal para abastecer a indústria local, e consequentemente vulnerável às variações do mercado internacional.

De acordo com o CEPEA/ESALQ, de 2021 para cá, o preço do trigo subiu 30%. Esse movimento de alta, que já era uma tendência, se intensificou com o início da guerra. Em um mês, a alta já é de 7%.  Não estamos apenas falando do preço do pãozinho do final da tarde, estamos falando do macarrão, dos biscoitos, dos bolos, de ração animal e até mesmo da cerveja!

No Brasil, os estados produtores de trigo são Rio Grande do Sul, com 45% da produção nacional,  Paraná com 41%. Porém, se na última safra produzimos 7,6 milhões de toneladas, o consumo estimado é o dobro. Metade da nossa demanda é importada. Sim, o Brasil conhecido como “celeiro do mundo”, importa um alimento que está presente diariamente na alimentação da sua população.

Para mudar este cenário existe um caminho, que por sinal já conhecemos. É o mesmo percorrido por outras cadeias já mencionadas. É necessário o desenvolvimento de novas cultivares e, importantíssimo, mais adaptadas aos riscos climáticos. E por que não pensar num modelo em integração com a pecuária? E que tal o trigo no cerrado? Além da resiliência ao clima, também são mais resistentes às pragas e doenças. Nesse ponto, é fundamental o avanço do controle biológico para a cultura.

Para que os investimentos na pesquisa sejam colhidos, é importante uma ação multiplicadora: políticas governamentais claras, com linhas de crédito específicas, não apenas para aumentar o cultivo, mas para investimentos em armazenagem, moinhos e logística. Incentivos para o cooperativismo também não podem faltar.

 

 

 

 

Por Luciano Vacari é gestor de agropecuária e diretor da Neo Agro Consultoria e Comunicação