”Em algum momento o Ocidente teria mesmo de desafiar os imperialistas que se recusam a jogar dentro das regras do jogo civilizado. Mas nada disso é sem custo ou enorme risco…” escreve Rodrigo Constantino
21/03/2022 10:07
”O mundo está vivendo tempos bem difíceis, não resta dúvida”
O presidente Biden e o ditador chinês Xi Jinping conversaram na sexta-feira em meio à crescente hostilidade sobre a Ucrânia e o que os EUA dizem ser o fracasso de Pequim em se juntar a outras nações importantes na denúncia do ataque militar da Rússia à Ucrânia.
Durante uma videoconferência de quase duas horas, Xi Jinping procurou apresentar a China como um agente pacificador. “A crise da Ucrânia é algo que não queremos ver”, disse ele a Biden, segundo a agência de notícias oficial chinesa Xinhua. “Conflito e confronto não são do interesse de ninguém”, acrescentou.
Biden, por sua vez, teria ameaçado com retaliações caso a China preste ajuda militar ou econômica à Rússia, disseram autoridades dos EUA. “A afirmação de que a China está do lado errado da história é arrogante. São os EUA que estão do lado errado da história”, tuitou a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying, na manhã de sexta-feira, acusando os EUA de provocar a Rússia.
Os EUA disseram que Pequim tem a responsabilidade de usar sua influência com Putin para buscar o fim da guerra. Xi, no entanto, procurou apresentar a China como uma parte neutra no conflito e que pode facilitar as negociações para encerrá-lo, segundo especialistas em política externa próximos ao governo chinês.
“A ligação Biden-Xi pode ser um ponto de inflexão para as relações EUA-China”, disse Neil Thomas, analista do Eurasia Group, uma consultoria de risco político. Se os dois lados encontrarem um terreno comum sobre a Ucrânia, disse ele, isso poderá estabilizar as tensões. “Mas se Biden não obtiver nada de Xi, ou se houver fogos de artifício diplomáticos, a ligação pode anunciar uma nova baixa nas relações modernas EUA-China”, disse Thomas.
Além do papel chinês na invasão russa e na ajuda econômica oferecida a Putin, há a questão delicada de Taiwan, que a China considera território seu e assunto interno. Para a China, portanto, parece um jogo interessante simular essa neutralidade enquanto, na prática, mantém apoio a Putin para sua guerra na Ucrânia. Por isso Biden precisa ameaçar com o risco de sanções econômicas, subindo o custo dessa postura dissimulada. É a opinião do board editorial do WSJ:
Durante muitos anos, Pequim minimizou quaisquer ambições que a China tenha de se tornar uma grande potência, e as últimas três semanas mostraram o porquê. O presidente Xi Jinping, em um de seus movimentos estratégicos mais ousados, jogou sua sorte com o presidente russo Vladimir Putin antes da invasão da Ucrânia pela Rússia. Xi agora se vê envolvido em um tumulto global que não será fácil nem barato para a China. Merece o desprezo global que está recebendo.
Os srs. Xi e Putin declararam no início de fevereiro que sua amizade “não tem limites”, e Xi está honrando essa promessa. Enquanto Pequim faz reverências tímidas à neutralidade na guerra, Xi não exerceu pressão sobre Putin para detê-la. A propaganda da China sobre a Ucrânia tem um tom decididamente pró-Rússia e antiamericano. Pequim está resistindo às sanções contra a Rússia (tanto quanto seus bancos podem sem comprometer seu acesso a dólares). Ainda pode fornecer armas à Rússia para apoiar a guerra.
[…] Pequim também pode calcular que pode “ganhar” na Ucrânia, não importa o que aconteça. Se Putin conquistar o país, Xi terá escolhido o cavalo vencedor. Se a invasão falhar, os aliados asiáticos do Ocidente e dos Estados Unidos ainda podem ser desmoralizados por uma divisão da Ucrânia – e a Rússia será um fornecedor confiável de recursos naturais para a China enquanto as sanções ocidentais persistirem.
No entanto, a natureza da política das Grandes Potências é que nada disso será gratuito para Pequim. Ao escolher um lado, a China, por definição, antagoniza aqueles do outro lado – incluindo seus próprios vizinhos e parceiros econômicos.
Poucos dias após a invasão de Putin, o Japão renovou um debate sobre o compartilhamento nuclear com os EUA, a Coreia do Sul elegeu um presidente mais pró-americano e vários países asiáticos tradicionalmente neutros aderiram às sanções ocidentais à Rússia em um sinal a Pequim. A Alemanha, há muito tempo entre os amigos mais próximos da China na Europa, está reconsiderando seu relacionamento econômico. A aliança de Xi com Putin também endurecerá as atitudes em relação à China nos Estados Unidos.
[…] Sua aquiescência à invasão de Putin mostrou que [a China] coloca os desejos de um ditador saqueador acima de suas relações comerciais e diplomáticas com o Ocidente. A China escolheu o cavalo errado e mostrou novamente, como em Hong Kong, que não é confiável. O Ocidente deve responder de acordo, pois busca defender os interesses de Taiwan e do mundo livre contra o Partido Comunista.
A pergunta que fica, claro, é a seguinte: pode o Ocidente incluir a China na lista de sanções? Qual o impacto disso para a economia mundial? E se isso provocar ainda mais uma aproximação entre Rússia e China e acabar escalando até uma guerra mundial? O mundo está vivendo tempos bem difíceis, não resta dúvida. Em algum momento o Ocidente teria mesmo de desafiar os imperialistas que se recusam a jogar dentro das regras do jogo civilizado. Mas nada disso é sem custo ou enorme risco…
Por Rodrigo Constantino, economista pela PUC com MBA de Finanças pelo IBMEC, trabalhou por vários anos no mercado financeiro. É autor de vários livros, entre eles o best-seller “Esquerda Caviar” e a coletânea “Contra a maré vermelha”. Contribuiu para veículos como Veja.com, jornal O Globo e Gazeta do Povo. Preside o Conselho Deliberativo do Instituto Liberal.