Opinião – Inflação, juros e outras maldades políticas

A inflação, por sua vez, vem a galope, mas há expectativa de perder força ao longo da curva. No todo, o cenário é difícil e poderá se agravar com escolhas políticas erradas, escreve Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.

07/04/2022 14:50

”Uma hora a crueza dos fatos se sobrepõe à narrativa política, colocando o problema na sala de estar dos brasileiros”

A inflação empobrece as famílias, afunda a miséria coletiva e aumenta o gasto público com assistência social, implodindo a organização orçamentária do país. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O gasto público desmedido de hoje é a certeza de mais impostos amanhã. A frase de abertura – retoricamente perfeita – ignora que o governo, em vez de aumentar a tributação, pode escolher o placebo do default inflacionário. Ou seja, não tendo R$ 100 para pagar suas dívidas, os inquilinos palacianos podem apelar à mágica da desvalorização da moeda e aquilo, com face de R$ 100, passa a ter, no estalar dos dedos, o valor efetivo de R$ 80. A manobra é cheia de sutilidades oportunistas. Para refinar o ilusionismo monetário, a alta inflacionária dos preços faz a fortuna dos governos no curto prazo, jogando a dinamite no colo do povo: a classe média é condenada a viver diariamente com menos, enquanto os pobres são soterrados gradualmente na miséria absoluta. Aliás, basta ver a realidade que aí está: os governos estaduais, valendo-se da inflação sobre mercadorias, encheram o bucho de ICMS, deixando a fartura de PIS/Cofins para a felicidade federal. Mas e vocês – cidadãos honestos e trabalhadores decentes –, estão felizes e esperançosos com o nosso futuro?

Antes da resposta, convido-os a um exercício de compreensão da maldade inflacionária: em 2021 os brasileiros viram, a cores, os efeitos nefastos da inflação; a cada ida ao supermercado, comprava-se menos; aqueles R$ 100, que antes compravam arroz, carne e sorvete para as crianças, passaram a adquirir, figurativamente, apenas ovos e batatas, sem direito a doce para os pequenos. Essa perda do poder de compra é a inflação. Sim, a sentimos diariamente em nossas vidas sem conseguirmos tocá-la, pois fugidia e silenciosa. Os governos sabem dessa volatilidade sensitiva e, enquanto podem, fazem de conta que não a veem. Todavia, uma hora a crueza dos fatos se sobrepõe à narrativa política, colocando o problema na sala de estar dos brasileiros. Aqueles que, tristemente, não dispõem de um teto para morar passam, então, a depender da assistência governamental, vivendo de benefícios públicos permanentes ou emergenciais para situações de caos.

Moral da história: a inflação empobrece as famílias, afunda a miséria coletiva e, como medida compensatória, aumenta o gasto público com assistência social, implodindo a organização orçamentária do país.

Diante do aumento da despesa pública, de duas, uma: teremos de aumentar a arrecadação fiscal ou recorrer a empréstimos para fechar a conta. Tal como as famílias, governos também têm boletos mensais a pagar; quando falta dinheiro, se endivida. A cada novo empréstimo, mais juros, gerando um efeito bola de neve na rolagem da dívida. O desafio é que só há progresso sustentável com contas organizadas. Ou seja, para formarmos patrimônio positivo, primeiro precisamos encaixar as despesas no orçamento mensal disponível. Quitados todos os débitos, as sobras ou superávits vão virando reservas mensais, permitindo investimentos para multiplicação do capital ao longo do tempo. Se a economia cresce, há maior riqueza social, poupança privada e investimentos públicos estratégicos.

Detalhe fundamental: sem uma organização orçamentária rigorosa é impossível implementarmos uma política de crescimento virtuosa e sustentável.

Veio, então, o flagelo da pandemia de Covid-19, implodindo as contas públicas mundo afora. O Brasil não está imune ao fenômeno. E pior: não somos o Tio Sam que, pelo monopólio do dólar, pode girar a máquina e fazer quantitative easing como se não houvesse amanhã. Porém, depois da noite nasceu o sol, a iluminar uma inflação yankee de 7%, forçando o Federal Reserve a ir igualmente para a pancada nos juros. Se reviveremos a Era Volcker ainda não se sabe, mas a turbulência está garantida. Sobre o ponto, em nobre homenagem à razão pensante, o prestigiado professor John H. Cochrane, no recente artigo “Fiscal Inflation”, foi categórico ao expor que “para uma alta dos juros baixar a inflação, a política fiscal também deve ser mais rígida. Sem essa cooperação fiscal, a política monetária não reduz inflação”. Logo, subir juro e abrir a torneira do gasto público é como querer chegar ao céu fazendo buraco na areia…

Indo adiante, com a atividade estagnada, não será possível aumento arrecadatório por crescimento econômico, indicando que a alavanca de mais impostos, cedo ou tarde, será ativada. Em breve, começarão a falar em “reforma tributária” para, mais uma vez, ferrar o contribuinte. Aliás, a tentativa de taxação de dividendos é sintomática e fala por si só. Adicionalmente, com a piora da institucionalidade orçamentária, os empréstimos sairão mais caros, pois prejudicada a confiança. Isso sem contar o natural efeito da alta da Selic nos títulos públicos, no encarecimento do crédito privado e nos efeitos colaterais do breque de consumo na cadeia produtiva, em que pese a expectativa de alívio na pressão dos preços.

No cair da tarde, a sabedoria experimentada de Mário Henrique Simonsen cunhou a expressão “a inflação aleija, mas o câmbio mata”. Entre aleijados e feridos, o dólar está, faz muito, nas alturas. E deve ir mais. A inflação, por sua vez, vem a galope, mas há expectativa de perder força ao longo da curva. No todo, o cenário é difícil e poderá se agravar com escolhas políticas erradas. Sem perder esperanças, o Brasil está a cada dia mais caro e institucionalmente débil. Diante de tantas maldades, qual o juro que pagaremos por uma inflação de felicidade? Ou será a inflação uma infelicidade em si?

 

 

 

 

 

Por Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.