A liberdade de expressão garante que opiniões diversas das nossas sejam proferidas e respeitadas. Uma nação que assegura esse direito constitucional é de fato uma nação democrática, escreve Thaméa Danelon
20/05/2022 06:35
”Não poderemos aceitar que o cerceamento, o impedimento, e o cancelamento judicial sejam implementados”
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Edson Fachin, afirmou recentemente o seguinte: “quem põe em dúvida o processo eleitoral não confia na democracia”. Entretanto, eu não vejo qualquer correlação entre esses pontos, pois é plenamente possível alguém colocar em dúvida o processo eleitoral e confiar plenamente na democracia, não havendo, assim, relação de causalidade entre essas duas crenças.
Mas, afinal, o que significa a palavra democracia? Democracia é o governo do povo, para o povo e pelo povo. Em uma nação democrática é o povo que governa, através da eleição de seus representantes, e é o povo que legisla, ao outorgar mandatos aos deputados e senadores. Por outro lado, o povo não exerce as funções de julgar, pois nossos juízes não são eleitos, diferentemente do que ocorre em alguns países.
Pois bem, ser contrário à democracia significa adotar uma posição favorável a regimes ditatoriais, onde não há qualquer tipo de liberdade: seja a liberdade de empreender, trabalhar, crer, de ir e vir e de se expressar. Por outro lado, em um regime democrático as pessoas são livres para opinar e exercer sua liberdade de expressão, que é prevista constitucionalmente; logo, os cidadãos têm o pleno direito de elaborar livremente suas ideias e exercer suas opiniões, entendimentos e pensamentos, por mais “imbecis” que esses sejam.
Essas opiniões podem ser lançadas em conversas particulares entre amigos e familiares; na televisão; na imprensa escrita; e principalmente na internet, através das redes sociais, as quais democratizaram a comunicação e ampliaram concretamente a possibilidade da livre manifestação do pensamento.
Assim, em decorrência deste direito constitucional, cada indivíduo é livre para acreditar ou não em determinados equipamentos eletrônicos; e também o é para ter sua opinião sobre qual mecanismo de apuração de votos é o mais adequado. Afinal, penso que vivemos em uma democracia, certo?
Nesse sentido, caso uma pessoa acredite que o nosso processo eleitoral não é plenamente seguro significa dizer que ela não confia na democracia? Caso alguém entenda que o melhor sistema de apuração eleitoral seja a urna eletrônica desde que acompanhada do voto impresso sugere que ela confia em governos ditatoriais?
Eu não vejo qualquer correlação entre a não confiança no nosso sistema eleitoral e a falta de confiança na democracia. Além disso, todos somos livres para expressar nossas convicções e ideias. Assim, se um indivíduo acredita que as urnas eletrônicas não são confiáveis, ele poderá ser cerceado caso exponha a sua opinião? Poderá ser preso? Quem se manifesta contrariamente ao sistema de apuração atual no Brasil está cometendo atos atentatórios à democracia? Ou ao Poder Judiciário?
É evidente que não, pois quando se pretende limitar a população a apenas uma ideia, a uma única forma de pensar, esse ato reflete os regimes ditatoriais, onde tecer uma crítica ao governo ou a um integrante deste resultará em prisão. Assim, quem põe em dúvida a segurança do processo eleitoral não desconfia da democracia, mas a exerce, usufruindo de seu direito constitucional da livre manifestação do pensamento e da liberdade de expressão, a qual, atualmente, está custando muito caro ao cidadão brasileiro.
Em contrapartida, desconfia da democracia aquele indivíduo que pretende cercear ideias; impedir o diálogo; tolher o questionamento, e sem esse não há formação de novos pensamentos, de debates saudáveis e de discussões construtivas.
O fato de uma pessoa sustentar que no Brasil deveriam existir apenas três instâncias, ou seja, três degraus de julgamento, não significa que ela esteja atentando contra o Poder Judiciário; se em nossa opinião o número de deputados federais é elevado – pois existem 513 cargos no Brasil – também não caracteriza uma ofensa ao Poder Legislativo.
Nesse sentido, se pensamos que deveria haver uma alteração no processo de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal, como, por exemplo, a fixação de um mandato de oito anos, em hipótese alguma esse pensamento poderá ser classificado como um ataque ao STF, e nessa mesma linha, as opiniões que não avalizam muita confiança a respeito das urnas eletrônicas e do processo eleitoral brasileiro também não podem ser catalogadas como desconfiança na democracia ou atentados à Justiça Eleitoral.
A liberdade de expressão garante que opiniões diversas das nossas sejam proferidas e respeitadas. Uma nação que assegura esse direito constitucional é de fato uma nação democrática, e não poderemos aceitar que o cerceamento, o impedimento, e o cancelamento judicial sejam implementados, sob pena de uma real aproximação a regimes nada democráticos. Sejamos livres para opinar, por mais imbecis que esses opinadores sejam.
Por Thaméa Danelon, Procuradora da República (MPF) desde dezembro de 1999, ex-coordenadora do Núcleo de Combate à Corrupção em São Paulo/SP; ex-integrante da Lava Jato/SP; mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMPSP); professora de Direito Processual Penal e palestrante.