Opinião – Os remédios e a dignidade fiscal

Sem prejuízo da garantia do contribuinte ir bater às portas do Poder Judiciário, fica o apelo para que os parlamentares possam alterar a legislação federal para que a mesma esteja em consonância com a Constituição Federal, escreve Victor Maizman

24/05/2022 05:30

”Judiciário deve intervir, quando um direito constitucional é sonegado”

Arquivo Correio da Semana.

De acordo com a interpretação da Constituição Federal, a renda da pessoa física é o saldo positivo decorrente do confronto entre certos rendimentos tributáveis e certas despesas que o contribuinte efetuou para o seu custeio e o de seus dependentes.

Logo, a pessoa física deve entregar ao Fisco, a título de imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, uma parcela do que sobrou desse seu custeio, deixando-se à salvo da tributação o mínimo vital.

Partindo dessa premissa, a legislação federal vigente assegura que a despesa médica devidamente comprovada, sem limite de valor, necessária à promoção e manutenção da saúde do indivíduo e seus dependentes, deve ser tratada como elemento redutor, como exigência constitucional à proteção da dignidade humana bem como ao direito fundamental individual à inviolabilidade da vida.

Contudo, ao arrepio dos aludidos preceitos constitucionais, a legislação vigente não permite que as despesas com remédios possam ser abatidas do valor a ser pago do Imposto de Renda das Pessoas Físicas.

Pois bem, como mencionado, na sistemática de tributação da renda das pessoas físicas é adotado o sistema de dedutibilidade de certas despesas da base de cálculo do imposto.

Nesse contexto, impedir a dedução do valor dos medicamentos em especial nessa época de pandemia revela, por si só, flagrante desrespeito da lei aos princípios constitucionais tributários, como o da isonomia, o da capacidade contributiva, o da pessoalidade e o da dignidade da pessoa humana.

Com efeito, se o contribuinte pode abater as despesas em que incorreu com médicos, dentistas e outros profissionais de saúde, sem obedecer a limite, uma vez que tais despesas se revelam involuntárias e absolutamente necessárias, não se revela lógico proibir o abatimento de gastos com medicamentos.

Por certo, o princípio da dignidade da pessoa humana resta desobedecido, pela situação em foco, uma vez que, ao negar ao contribuinte o direito à dedução dos gastos com remédios, gastos estes de caráter obrigatório, contribui para que não seja respeitado o chamado mínimo social, ou vital, ou existencial.

Conclui-se, então, que na compreensão dos autores a dignidade humana é um princípio de caráter universal, que impõe deveres de abstenção e condutas positivas com o fito de se proteger a efetivação da pessoa humana.

Constatado, portanto, que a dedução das despesas com compra de remédios se revela direito constitucional do contribuinte, é forçoso reconhecer conforme defendido pela doutrina tributária, que este pode ser reconhecido pelo Poder Judiciário, se provocado for e, mediante a via judicial adequada, ainda que inexista previsão legal.

Isso porque é indubitável que o Judiciário não só pode, mas deve intervir, quando um direito constitucionalmente assegurado é sonegado, independentemente de haver lei reguladora.

E, sem prejuízo da garantia do contribuinte ir bater às portas do Poder Judiciário, fica o apelo para que os parlamentares possam, com um simples projeto de lei, alterar a legislação federal para que a mesma esteja em consonância com a Constituição Federal.

 

 

 

 

 

Por Victor Humberto Maizman é advogado e consultor jurídico tributário.