Opinião – Uma agenda política para o século XXI

é preciso levar ao debate público a necessidade urgente de readequar as estruturas constitucionais das instituições brasileiras à nova era tecnológica sem que haja perda do conteúdo funcional, escreve Marcos Marrofon

13/06/2022 08:30

”Mudanças fomentam novas formas de relacionamento humano-máquina”

O hiperdesenvolvimento tecnológico que assistimos contemporaneamente prenuncia o advento de uma transição civilizacional sem precedentes.

Acompanhamos a presença de avançadas Inteligências Artificiais (IAs), já em operação, com capacidade de aprendizagem (deep learning);o incremento da Robótica; as possibilidades de manipulação genética e o avanço no rumo do transhumanismo; o Metaverso e a mega-economia baseada em dados (Big Data), impulsionados pelo motor do 5G com alta capacidade de transmissão de conteúdo de comunicação.

Esse conjunto de mudanças fomenta novas formas de relacionamento humano-máquina, novos mindsets, exigindo, dessa forma, marcos regulatórios de maior complexidade, além de ações políticas concretas para lidar com essa inédita realidade, que envolvem desde questões estruturais acerca do papel do Estado e das políticas públicas, até o tratamento nos Legislativos das implicações práticas das novas tecnologias e dos dilemas importantes que se apresentam no campo da bioética.

Nesse contexto, a forma tradicional do Estado de Direito, forjada a partir dos séculos XVIII e XIX assim como a tradicional busca de concretização dos direitos fundamentais, individuais e sociais, implementada no Século XX, não dão mais conta da nossa realidade presente e futura. O tempo do Estado burocrático se tornou incompatível com o tempo da vida, isto é, não contempla as demandas dos cidadãos na velocidade exigida pelas relações contemporâneas.

Há, assim, uma evidente crise da democracia, anunciada pela perda progressiva de legitimidade das instituições representativas[1] e pela ineficiência das ações públicas, o que tem estimulado a emergência de populismos cibernéticos e de retrocessos autoritários.

Junta-se a esse cenário o impressionante poder de manipulação das massas em escala global pelas redes sociais dominadas pelas gigantes tecnológicas e o recrudescimento da sociedade de controle, seja pela via oriental do ranking de crédito social no modelo chinês de social credit score, seja pela via ocidental do capitalismo de vigilância diagnosticado por S. Zubbof[2].

Com intensa manipulação dos eleitores, proliferação de fake news e circulação de inúmeras teorias da conspiração, a democracia brasileira se tornou um simulacro, uma democracia de slogans,  memes e vídeos com dancinhas, lacrações e mitos em narrativas distorcidas que celebram a ignorância, a ausência de limites para os desejos individuais e um viés antirracionalista que maltrata a cultura e a ciência,em prol de uma horizontalidade niilista, narcísica e edipiana, na qual polos antagônicos impõem suas verdades e modos de vida em franco desprezo solidário ao outro. Há um profundo vácuo nos corredores existentes entre as ilhas muradas pelos grupos antagônicos que não permitem minimamente um diálogo sereno e comprometido com o bem comum.

O resultado se apresenta no notório enfraquecimento da instância e do debate públicos, na dificuldade de lidar com problemas complexos que não comportam soluções rasas, amparadas em discursos simplistas e populistas.

Como agravante, o Congresso Nacional, omisso e corrupto, não cumpre seu papel na República e diariamente contribui para o déficit de legitimidade da política, dando margem a ativismos judiciais, tensões entre poderes e reações autoritárias. O Parlamento brasileiro se tornou uma casa de tolerância das mais diversas diatribes antirrepublicanas.

Cansado desse verdadeiro horror político[3], o cidadão trabalhador e pagador de tributos não consegue manter a esperança no futuro e se entrega à nostalgia de um passado que não orgulha a Nação. É, assim, uma vítima perfeita das manipulações discursivas antidemocráticas, tornando-se reprodutor dessas narrativas.

Diante de um quadro com tantos desafios, não podemos nos furtar a tomar decisões corajosas, enfrentando essa problemática desde a raiz.  Ao contrário, é preciso levar ao debate público a necessidade urgente de readequar as estruturas constitucionais das instituições brasileiras à nova era tecnológica sem que haja perda do conteúdo funcional em matéria de direitos fundamentais que promoveram avanços civilizatórios; em outras palavras, deve-se provocar o debate necessário em torno de uma verdadeira reengenharia constitucional[4].

Nessa perspectiva, além de um olhar inovador e diferenciado sobre temas clássicos da agenda política e social do país, tais como a Educação, Saúde, Segurança, Meio-ambiente e Sustentabilidade, Redução das Desigualdades, Previdência e Inclusão Social, é preciso atentar para temas urgentes que estão presentes no contexto dessa grande transformação que vivemos, marcada pela era digital.

[1] CASTELLS, Manuel. Ruptura – a crise da democracia liberal. São Paulo: Zahar, 2018.

[2] ZUBOFF, Shoshana. The age of surveillance capitalism. Profile Books. 2019.

[3] GENEREUX. Jacques. O horror politico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 5ª. Ed., 1998.

[4] MARRAFON, Marco Aurélio. “Reengenharia constitucional para superar a crise da democracia liberal”. Revista Consultor Jurídico, 2019.

 

 

 

 

 

Por Marco Marrafon é advogado.