Opinião – As perspectivas para a economia global enquanto a guerra continua

Em meio a isso tudo ainda há a situação da guerra em si. Ninguém sabe para onde ela vai, apesar das narrativas que nos “bombardeiam” diariamente. Escreve Tatiana Goes

 

14/06/2022 06:28

”Para a Rússia, ela já ganhou e vai sair ganhando”

Bandeira da Ucrânia com marcas de tiros disparados pelas forças russas na cidade de Malin, perto da fronteira com a Bielorrússia. Foto: EFE/Esteban Biba

Mais de três meses após o início da guerra na Ucrânia, o continente europeu está desestabilizado, a ordem geopolítica global bagunçada e a economia internacional enfraquecida. Desde o final de fevereiro, os países ocidentais adotaram sanções de uma escala sem precedentes visando todos os setores da Rússia e seu aliado bielorrusso, cujo impacto ainda precisa ser medido: embargo ao petróleo russo, investimentos proibidos, congelamento de ativos, restrições bancárias, do espaço aéreo e marítimas, dentre outras medidas. Mas o presidente russo Vladimir Putin segue avançando.

A questão é que os efeitos da guerra estão sendo sentidos em todo o mundo, impactando o crescimento econômico, as cadeias de produção e os setores de alimentos e energia, aumentando o medo de uma crise alimentar. Não por acaso, representantes do Fundo Monetário Internacional têm dito que a economia enfrenta seu maior teste desde a Segunda Guerra Mundial.

Um exemplo que demonstra o quanto estão os ânimos em relação a esse rolo compressor da guerra pôde ser visto no último final de semana na Inglaterra onde centenas de festas de rua organizadas para comemorar o jubileu de diamante da rainha Elizabeth II ajudaram os britânicos a esquecer a recessão, mas no campo econômico as celebrações deixaram um ar de ressaca.

A expectativa do Banco da Inglaterra – o equivalente britânico do nosso Banco Central – é que o feriado prolongado que terminou no dia 5 de junho tenha um impacto negativo no crescimento do PIB do país de 0,5% no segundo trimestre desse ano. E os membros da oposição ao primeiro-ministro conservador Boris Johnson acusam o Banco da Inglaterra de usar as comemorações reais para encobrir uma recessão alimentada pelas medidas de austeridade do governo.

Aliás, essas manifestações políticas em relação à condução econômica de governantes frente aos reflexos da guerra irão pipocar nos quatro cantos visto que muitos países estão dando início ao calendário eleitoral. No Brasil, podemos ter como certo que se os índices econômicos não melhorarem, a tendência é que o eleitor dê mais importância à agenda econômica na hora de escolher seu candidato do que qualquer outro tema de extrema relevância. Se sobrepondo, inclusive, à saúde, que historicamente aparece no topo da lista das preocupações dos brasileiros.

Os efeitos da guerra estão sendo sentidos em todo o mundo, impactando o crescimento econômico, as cadeias de produção e os setores de alimentos e energia.

O FMI projeta agora que a inflação permanecerá elevada por muito mais tempo. Nos Estados Unidos e em alguns países europeus, ela atingiu seu patamar máximo em mais de 40 anos, num contexto de condições restritivas nos mercados de trabalho. Somado a isso, os últimos confinamentos na China podem criar novos gargalos nas cadeias logísticas globais.

Cresce o risco de que as expectativas de inflação se afastem das metas dos bancos centrais, provocando uma resposta mais agressiva de aperto monetário por parte das autoridades. Além disso, a alta dos preços dos alimentos e combustíveis também pode elevar consideravelmente a perspectiva de agitação social nos países mais pobres.

Há o temor real de que a guerra na Ucrânia e o embargo à Rússia poderão levar o mundo a uma nova —e longa— crise econômica e social com o aumento da inflação em todo o planeta, risco de recessão nas maiores economias e chance de falta de alimentos para os mais pobres.

Em busca de respostas, os países não chegam a um consenso. Diante de pensamentos insondáveis de Vladimir Putin, não há resposta sobre como acabar com a guerra na Ucrânia. Também é difícil projetar o que pode ser feito para evitar a queda da produção agrícola e o aumento da fome no mundo.

Será preciso dosar o remédio para não matar o paciente. Um ponto consensual é acelerar a transição para a energia verde.O problema é que esse caminho é longo e os resultados só virão vários anos à frente. Até lá, como franceses vão aquecer suas casas? Como funcionarão as indústrias alemãs?

As políticas nacionais e os esforços multilaterais terão um papel importante a cumprir nesta conjuntura difícil. Os bancos centrais precisarão ajustar suas políticas de forma decisiva para garantir que as expectativas de inflação a médio e longo prazos permanecerão ancoradas. A comunicação clara e a orientação futura sobre as perspectivas para a política monetária serão essenciais para minimizar o risco de ajustes disruptivos. Mas em ano eleitoral vai ser difícil para os políticos conseguirem criar um contexto favorável para si mesmos. Poderá prevalecer a tentação do discurso mais fácil de fórmulas mágicas sem embasamento econômico.

Em meio a isso tudo ainda há a situação da guerra em si. Ninguém sabe para onde ela vai, apesar das narrativas que nos “bombardeiam” diariamente. Para Kiev e o Ocidente, a Ucrânia está ganhando e vai ganhar. Para a Rússia, ela já ganhou e vai sair ganhando. Ambos os lados acusam-se mutuamente de atrocidades comuns a qualquer guerra. A batalha da informação, que volta e meia reacende o fantasma de um conflito nuclear, lembra uma frase do Chanceler de Ferro alemão, Otto von Bismarck: “nunca se mente tanto quanto antes de uma eleição, durante uma guerra e depois de uma caçada”.

 

 

 

 

 

Por Tatiana Goes é economista, especialista em Gestão Estratégica de Negócios pela Universidade de Harvard, e CEO da GoesInvest.