Opinião – A disputa pelo preço dos combustíveis não reflete toda a realidade

Parece evidente que se os governos resolvessem abrir mão dos bilhões gerados pela Petrobras (…) teriam que compensar essa perda com o aumento de impostos e contribuições, André Folloni

20/06/2022 07:30

”Qualquer solução real, e não apenas encenada, seria antipática para a população”

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Um dos assuntos mais importantes de serem discutidos na atual conjuntura econômica e social e que tende a ganhar importância durante a campanha eleitoral que se avizinha é o preço dos combustíveis. Longe de ser um problema apenas daqueles que dirigem automóveis – como às vezes se diz, um “problema de rico” –, trata-se de um problema geral que atinge toda a sociedade.

O combustível compõe o custo, literalmente, de tudo. Não há alimento que chegue à mesa, semente que chegue à fazenda, roupa que chegue às lojas, remédios que cheguem às farmácias, trabalhador que chegue à empresa, servidor público que chegue ao trabalho sem transporte que consuma combustível. O custo de todo frete envolve o custo do combustível. O custo de todo produto envolve o custo do frete. O custo de toda prestação de serviço envolve o custo de transporte. Assim, combustível caro encarece tudo.

Acompanhamos, pela imprensa, não sem alguma apreensão e surpresa, as constantes trocas de comando da Petrobras. De outro lado, também percebemos, não sem receio, as dificuldades que a companhia enfrenta em construir uma política de preços que atenda às necessidades das pessoas. No meio disso, vemos uma disputa verbal entre governos que se acusam mutuamente de culpa na alta por cobrar impostos demais.

Um dos aspectos menos conhecidos desse emaranhado é o lucro que a União, os estados e os municípios podem ter com os preços altos. A União é acionista da Petrobras, detendo mais de 50% das ações ordinárias e quase 30% do total. Estima-se que a União receba aproximadamente R$ 30 bilhões em dividendos entre maio e julho deste ano. Segundo apuração da imprensa, desde o início de 2019, perto de R$ 450 bilhões entraram no orçamento federal por conta da atuação econômica da Petrobras, em dividendos, royalties e tributos. Considerando o que entra para estados e municípios, o valor teria chegado a R$ 675 bilhões.

Conforme a alta do preço dos combustíveis encarece tudo, e levando em consideração que tributos incidem sobre tudo (indústria, vendas e serviços) e que no Brasil incidem até sobre o prejuízo, quando gravam a receita e o faturamento das empresas, a alta do preço dos combustíveis também gera pressão sobre a carga tributária. Como os tributos, na grande maioria dos casos, são calculados em percentual sobre as vendas, serviços e faturamento, o aumento do preço gera proporcionalmente o aumento do tributo.

Conclusão surpreendente: o aumento do preço dos combustíveis, além de tudo, é também uma forma de aumentar tributos sem precisar elaborar lei para isso. E não está claro em que medida as reduções de tributos promovidas nos últimos tempos, supostamente na tentativa de enfrentar os aumentos, compensaram a alta de arrecadação gerada pela alta de preços e o próprio lucro direto da União, dos estados e dos municípios com o lucro da Petrobras.

Parece evidente que se os governos resolvessem abrir mão dos bilhões gerados pela Petrobras, sem revisitar os seus gastos e investimentos, teriam que compensar essa perda com o aumento de impostos e contribuições. Qualquer solução real, e não apenas encenada, seria antipática para a população. Nenhum governo anunciaria, com tranquilidade, a redução do preço dos combustíveis atrelada ao aumento de impostos. Fica a dúvida se assistimos, realmente, a uma disputa pelo bem da população ou a um teatro, no qual os motivos do roteiro estão ocultos e o enredo sequer faz algum sentido.

 

 

 

 

 

Por André Folloni é doutor em Direito, professor titular e decano da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).