Lula ainda não se livrou da carga pesada de ter erigido uma “catedral ética”, desmoronada com as águas da Operação Lava Jato. Bolsonaro carrega a identidade da direita radical, ameaçando se escudar nas forças armadas. Escreve Gaudêncio Torquato
27/07/2022 05:30
”Pleito deste ano mostra que Lula e Bolsonaro têm altos índices de rejeição”
A rejeição a candidato pode ser fatal. E o pleito deste ano mostra que os dois candidatos com mais chance de chegar ao segundo turno – Lula e Bolsonaro – têm altos índices de rejeição, o petista em torno de 40% e o presidente perto de 60%. Pesquisa recente da Quaest.
Quando um candidato registra um índice de rejeição maior que a taxa de intenção de voto, é prudente providenciar a ambulância para entrar na UTI eleitoral. Caso contrário, morrerá nas primeiras semanas do 2º turno. A rejeição é uma predisposição negativa que o eleitor adquire e conserva em relação aos perfis.
Para compreendê-la, é compreender suas razões. A equação aceitação/ rejeição se fundamenta na reação emotiva de interesse/desinteresse, simpatia/antipatia, que Pavlov chama de reflexo de orientação. A rejeição tem uma intensidade que varia de candidato para candidato.
Em São Paulo, Paulo Maluf e Orestes Quércia são inseridos na moldura de alta rejeição, resultante do estigma de corrupção com que foram brindados ao longo de décadas. Quércia, em 1990, foi amarrado ao conceito: “quebramos o Banespa, mas elegeremos o Luiz Antônio Fleury.” Frase que ele e o próprio Fleury sempre negaram ter sido feita. Mas o lema pegou.
Maluf passou a administrar a rejeição depois de muito esforço. Tentou mudar comportamentos, tornou-se menos arrogante, deixou o nariz menos arrebitado, descendo-o para uma posição de humildade e começando a conversar humildemente com todos. Mas a voz anasalada o prendia na cadeia da antipatia.
Erros e rejeições de adversários contribuíram para atenuar a predisposição negativa contra ele, purgando-se, então, por pecados de outros. “Ruim por ruim, vou votar em mim”, lema de Tiririca (PL-SP) para agarrar os eleitores. Em regiões administradas pela velha política, a rejeição a determinados candidatos se soma ao familismo. Em alguns Estados, sobrenomes tradicionais acabam saturando perfis.
Em quase todas as regiões, há altos índices de rejeição, comprovando que os eleitores, mais racionais e críticos, querem passar uma borracha em domínios perpetuados. O voto, mesmo de maneira lenta, sobe do coração para a cabeça.
A rejeição pode ser atenuada, quando o candidato vai à fundo nas causas que corroem seu nome. Pesquisas qualitativas indicam certos fatores: atitudes, jeito de encarar o eleitor, oportunismo, mandonismo, orgulho, vaidade, arrogância, desleixo, compra do voto, história política negativa, envolvimento em escândalos, ausência de boas propostas, descompromisso com demandas sociais.
Não se equaciona a rejeição da noite para o dia. Quando o candidato demonstra muita pressa para diminuí-la ou entra na malha do populismo, a atitude será percebida. Nesse caso, pode ocorrer bumerangue, a ação se voltando contra o populista. Ganha força a predisposição contra ele.
Trabalhar com a verdade, eis um ponto-chave para diminuir a rejeição. O eleitor distingue factoides de fatos políticos, boas de más intenções, propostas sérias de coisas mirabolantes.
A rejeição de Luiz Inácio e Jair Bolsonaro tem causas conhecidas. Lula leva consigo a imagem da divisão no País, pobres contra ricos, a luta de classes, Nós contra Eles. Por mais que tente escorregar, hoje, para chegar ao centro do corrimão, continua causando medo.
O temor de que possa alterar as regras de nossa democracia. O petismo ainda não se livrou da carga pesada de ter erigido uma “catedral ética”, desmoronada com as águas da Operação Lava Jato.
Bolsonaro carrega a identidade da direita radical, ameaçando se escudar nas forças armadas para assegurar o poder por anos a fio. O autoritarismo por ele encarnado se faz presente na expressão virulenta com que atira contra adversários, manchando a liturgia governamental e emporcalhando a imagem das instituições.
Exemplo foi esse encontro com embaixadores, no Palácio da Alvorada, para escrachar as urnas eletrônicas e denunciar, sem provas, a fraude nas eleições brasileiras. São ações destemperadas para mobilizar as bases.
Menos de 70 dias para o pleito serão suficientes para diminuir a rejeição? Um terceiro nome poderia se viabilizar? O eleitor deixará de votar ou votará em branco caso não tenha opção? P.S. É possível o registro de abstenção, votos brancos e nulos ultrapassando a casa dos 30%. A conferir.
Por Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor.