Como não temos partidos autênticos, o que sobra são expoentes singulares que, por talentos distintos, sobem ao altar da política, se transformando em imagens referenciais. Escreve Sebastião Ventura
22/08/2022 11:11
”Não é preciso ser um profeta para saber que – independentemente do vencedor – o Brasil sairá conflagrado das eleições de outubro”
Na democracia, é possível vencer e perder. Apesar de doída, tantas vezes dilacerante e outras trágicas, a derrota é uma variável do jogo do poder. Sim, podemos e devemos lutar pela vitória, colocar nossas melhores energias e ações em favor do êxito, mas ignorar a possibilidade do insucesso é como fechar os olhos e pensar que os problemas, por mágica, irão desaparecer. Não vão. Estão aí à evidência de todos. E também não serão resolvidos – frisa-se – por decretos imperiais de última hora.
Sem cortinas, os desarranjos institucionais brasileiros são graves e sangram em praça pública. A política está doente; a enfermidade é sistêmica. Nossos partidos são incapazes de ditar novos rumos. A prova é categórica. Vejam o caso decadente do esquerdismo brasileiro: teve que buscar Lula como candidato porque não havia outra opção competitiva. Em tempo, já escrevi que a candidatura de Lula não gozaria de aprovação constitucional, por potencial violação ao princípio da moralidade pública (art. 37, caput, CF/88). Ou será que, aqui, não haverá um Supremo Tribunal para proteger a dignidade da Constituição? Entre silêncios, a legalidade definha e a impunidade triunfa.
No cemitério da virtude, para diminuir a resistência de certos setores empresariais, a chapa esquerdista foi buscar Geraldo Alckmin – ácido crítico do petismo no passado – como um sinal de suposta boa vontade com o mercado. Trata-se de uma espécie de hedge político; se o preço do risco disparar, há uma trava de segurança. Acontece que a experiência bem revela que não existe nada mais ameaçador a um presidente do que um vice capaz e com vontade de chegar ao poder. Tal ameaça fica ainda mais eloquente quando a aliança é de ocasião ou um mero arranjo forçado de circunstâncias. Não é de duvidar, inclusive, que a petição do impeachment já esteja assinada, aguardando apenas o estopim da crise.
Do outro lado, temos uma parte da direita que mistura tintas de liberalismo, religião, certo intervencionismo estatista (a Petrobras, que o diga), palavras de ordem e um patriotismo renascentista naquilo que veio a se chamar de “bolsonarismo”. Assim como Lula é maior que o PT, Jair Bolsonaro é maior que o PL de Valdemar da Costa Neto. Quem lembrar do “mensalão”, aliás, já deve ter ouvido alguns dos personagens.
Na continuidade do enredo, elevando o olhar e mirando o futuro, a tradição personalista se manterá na política brasileira. Isso porque, como não temos partidos autênticos, o que sobra são expoentes singulares que, por talentos distintos, sobem ao altar da política, se transformando em imagens referenciais. Ou seja, Getúlio e Brizola fizeram escola no Brasil.
Para decepção de muitos é importante assinalar que mesmo que Bolsonaro seja derrotado, o bolsonarismo não irá acabar. Talvez até se inflame mais. O fato é que as eleições de 2022 se encaminham para um encontro frontal entre Lula e Bolsonaro, sem espaço para rotas alternativas ou moderadas. O choque parece ser inevitável; duas carretas em sentido contrário. Na política, esse tipo de jogo jamais encontra soma zero, pois um dos lados sai vencedor.
A questão será o day after e de como o país estará após uma colisão tão radical. Naturalmente, haverá vida e possibilidades no amanhã, mas também um enorme contingente de eleitores insatisfeitos e inconformados com o resultado das urnas.
De tudo, não é preciso ser um profeta para saber que – independentemente do vencedor – o Brasil sairá conflagrado das eleições de outubro. Para onde vamos, eu não sei. Todavia, o simples exercício de olhar a realidade posta faz levantar angústias e preocupações. E escrever é uma forma de aliviá-las para, quem sabe, serem resolvidas por personalidades mais eminentes. Então, escrevo e digo que Jair Bolsonaro pode, à luz da democracia, perder a eleição.
Agora, será que ele pode ganhar?
Por Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.