Opinião – O Brasil e seu destino: os eleitores vão escolher entre dois caminhos distintos

Uma nação polarizada entre a continuidade do governo do presidente Jair Bolsonaro e o retorno do ex-presidente Lula, o destino do Brasil encontra-se nas mãos de duas gerações distintas. Escreve Igor Macedo de Lucena

02/09/2022 08:59

”É importante que o eleitor entenda que esses pontos citados são diametralmente opostos e que representam visões de mundo distintas, de ideologias muitas vezes antagônicas”

Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT)| Foto: Alan Santos/PR e Joka Madruga/Agência PT

Assistimos mais uma vez ao destino do nosso país sendo decidido pelos seus cidadãos, pela comunidade de eleitores. São eles que, de maneira livre e consciente, devem escolher o futuro político e econômico do Brasil, um ato que vem sendo realizado desde 1989 por meio do sufrágio universal e que de fato colocou o Brasil como sendo uma das maiores democracias do planeta.

É importante nos lembrarmos de que as perspectivas de uma democracia estável em um país são melhoradas se seus cidadãos e líderes apoiarem fortemente as ideias, os valores e as práticas democráticas. O suporte mais confiável apresenta-se quando essas crenças e predisposições estão enraizadas na cultura do país e são transmitidas, em grande parte, de geração em geração. Em outras palavras, o país possui uma cultura política democrática, confiável e plena.

Dentro desse conceito, e levando em consideração a realidade de uma nação polarizada entre a continuidade do governo do presidente Jair Bolsonaro e o retorno do ex-presidente Lula, o destino do Brasil encontra-se, na prática, nas mãos de duas gerações distintas. Essas gerações assistiram a transformações do nosso país e do mundo de maneira muito singular e hoje cabe a elas, independente de razões ou motivos, decidir na urna o que querem para seu futuro.

Assim, diante desse cenário, claro, democrático e dinâmico, vamos dispor uma breve análise sobre a política externa e a economia, caso seja eleito um ou o outro candidato, sem julgamentos sobre certo ou errado, ou sobre o que será de fato melhor para o Brasil. O foco é analisar o conjunto de cenários nacionais e internacionais que se impõe em um mundo dinâmico e dentro do conceito de uma possível nova Guerra Fria 2.0.

É preciso ter bem claro quais as consequências econômicas e geopolíticas ao definir a escolha por um ou outro candidato, de maneira que, ao realizar seu voto, haja consequência do que o presidente eleito fará; sendo assim, não haverá surpresas ou desapontamentos. Dito isso, é importante afirmar que estamos analisando dois projetos totalmente diferentes, que vão além do simplismo de falar “isso é de esquerda” ou “aquilo é de direita”. Esse tipo de descrição é imaturo e, na prática, não revela nada sobre o que de fato são as decisões dos agentes políticos em um importante processo decisório.

Do ponto de vista da Economia, o atual presidente Jair Bolsonaro, se reeleito, deverá continuar os processos de privatização das empresas estatais que têm um histórico de serem deficitárias, mas que principalmente não têm uma função de atuação em distorções ou falhas de mercado. Esse não deverá ser um processo rápido, mas de fato deve ser contínuo e tem como objetivo diminuir a alocação de impostos e ineficiências da máquina pública.

Isso significa que, em tese, o Estado deverá ter menos ‘peso’ nas atividades econômicas do país como um indutor de desenvolvimento nacional. Na prática, este é um modelo que tem sua origem no Liberalismo Clássico, mas com suas especificidades dado ao nosso atual modelo político. Há uma visão clara do Congresso Nacional alinhada ao atual presidente de que a reforma tributária é necessária e que sem ela não haverá avanços econômicos de longo prazo. Mesmo que não haja ainda um consenso econômico sobre qual seria a reforma ideal, isso será um ponto importante em um segundo mandato. Logo após isso, haverá uma rigorosa análise sobre a reforma da máquina pública, que é uma das mais caras e ineficientes do planeta, principalmente com gastos acima dos aceitáveis em relação aos salários do funcionalismo público em todas as esferas. Em suma, a visão econômica deve focar a redução do Estado como indutor do desenvolvimento econômico e entender que as reformas e as privatizações são fundamentais.

De maneira análoga, caso o ex-presidente Lula seja eleito, o conceito e a visão econômica serão totalmente diferentes, tendo em vista os últimos 8 anos de seu governo e seu discurso atual. As empresas estatais, independentemente de quais sejam, passarão a ter um papel fundamental na indução do desenvolvimento nacional e dificilmente algum tipo de processo de privatização deverá continuar.

Reformas econômicas ou administrativas não teriam neste caso qualquer grau de relevância, quando se põe o Estado no centro do país como indutor e decisor das políticas que influenciam ou realocam recursos públicos para estimular setores econômicos. As decisões do mercado na alocação de investimentos passam a ser influenciadas diretamente por qual decisão o Estado vai tomar sobre o setor A ou B. Neste caso, não há necessidade de diminuição do Estado, mas, sim, de reorganizá-lo ou expandi-lo com o intuito de que ele se torne chave para o crescimento e o desenvolvimento econômico.

Quando olhamos sob a ótica da política externa, o presidente Jair Bolsonaro deverá avançar com uma visão de relações bilaterais com players que buscam se redefinir no planeta, tais como o Reino Unido e o Japão, que de fato têm uma visão bastante pragmática e podem contribuir com importantes acordos internacionais. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos são importantes na visão do atual governo, não apenas do ponto de vista ideológico, mas também na visão de investimentos.

A situação com a China vem se tornando mais pragmática e neste caso em específico não deve se alterar; muito pelo contrário, a presença da China na América Latina e no Brasil deve se intensificar sem muitos problemas. O foco da política externa será as grandes nações onde o país buscará novas oportunidades, entendendo que neste novo cenário internacional o alinhamento automático não é benéfico para o Brasil, como foi o caso da situação com a Rússia.

No caso de um possível novo governo do ex-presidente Lula, existem dois pontos que se tornam fundamentais para as relações entre os países. Primeiro devemos assistir a um retorno da chamada política Sul-Sul na qual o Brasil focará avançar seus laços com as nações em desenvolvimento tais como aquelas no continente africano e na América Latina. Há neste ponto uma importante vantagem tendo em vista o desenvolvimento da União Africana e um conjunto de oportunidades de Foreign Direct Investment e exportações dentro dos países de língua portuguesa na África como porta de entrada para outros negócios brasileiros.

Paralelamente a isso, o governo deverá redobrar seus esforços para o Mercosul e sua integração com os atuais membros do bloco e consequentemente com a expansão dentro do continente.

Agora, independente de quem vença as eleições, é importante que o eleitor entenda que esses pontos citados são diametralmente opostos e que representam visões de mundo distintas, de ideologias muitas vezes antagônicas, mas que em alguns pontos os dois deverão enfrentar os mesmos obstáculos como, por exemplo, a ratificação EU-Mercosul Trade Agreement, que voltou à mesa de negociação e deverá ser fundamental para a modernização do parque fabril brasileiro, para o controle da nossa inflação no longo prazo e para o aumento do alcance do nosso mercado consumidor na Europa. Outra situação que deve ser enfrentada, independente do vencedor, é a posição de longo prazo do Brasil em um mundo bastante conflituoso dado à continuidade do embate entre a Rússia e a Ucrânia e a possibilidade de um conflito militar entre China e Taiwan.

Em 1826, no Reino Unido, foi cunhada a frase “His Majesty’s Opposition” em tom de brincadeira quando membros da oposição usavam para atacar os membros do governo que muitas vezes eram inertes em seus afazeres, mas com o passar do tempo passou a ganhar uma conotação mais séria e democrática, significando que dentro do processo eleitoral os eleitores elegem não apenas os vencedores para que seja a situação, mas também elegem os vencidos para ser a Oposição e que os dois têm um papel importante a cumprir para a nação. Aprecio esse princípio, pois acredito que o mesmo se aplica no Brasil e, independentemente de quem vença, o lado vencido também terá suas responsabilidades para com o Brasil.

Ao mesmo tempo, é importante nos lembrarmos de que, tal como lemos sempre nos rodapés dos fundos de investimentos, “a rentabilidade passada não representa garantia de rentabilidade futura”; ou seja, não podemos ter certeza de que um ou outro candidato que já realizou um governo aprovado no passado conseguirá repetir o feito no ano que vem, principalmente em um cenário internacional totalmente diverso no pós-pandemia e dentro de um cenário pós-guerra na Ucrânia. A democracia é um processo lento baseado em andar, cair e tropeçar na decisão certa em vez de ir direto para a errada, por isso não se deve nunca desprezá-la.

Neste cenário em que estamos hoje, finalizo citando o segundo presidente dos Estados Unidos, que atuou de 1797 até 1801, John Adams, e proferiu palavras que nunca foram tão atuais para nossa jovem nova democracia: “O importante em uma nação é um governo de leis, não de homens”.

 

 

 

 

Por Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Associação Portuguesa de Ciência Política.