Mas a situação continua exatamente a mesma que era quando essa aberração começou – tudo o que os “investigados” fizeram foi falar de política entre si num grupo de WhatsApp. Escreve J.R. Guzzo
19/09/2022 08:41
”Na demência mais agressiva da história toda, é o próprio Moraes, e ninguém mais, quem julga as decisões que ele mesmo toma”
De todas as agressões às leis brasileiras, à Constituição Federal e à estabilidade jurídica que o ministro Alexandre de Moraes faz praticamente todos os dias, desde que começou com o seu inquérito alucinado para apurar “atos antidemocráticos”, três anos atrás, provavelmente nenhuma pode se comparar à essa ofensiva policial contra “empresários golpistas” que se tornou o fetiche mais recente da nossa suprema corte de justiça. Não existe até agora, depois de todo o colossal barulho levantado pela “investigação”, um miligrama de qualquer coisa que se pareça com uma prova. Houve, como se sabe, a invasão de escritórios e de residências, bloqueios de contas, quebras de sigilo bancário e de comunicações, censura na internet e o resto do repertório repressivo de um STF que se transformou em delegacia de polícia. Mas a situação continua exatamente a mesma que era quando essa aberração começou – tudo o que os “investigados” fizeram foi falar de política entre si num grupo de WhatsApp. Desceram a lenha no STF, alguns disseram que gostariam de um golpe de Estado e todos falaram bem do presidente Bolsonaro; houve quem se manifestasse unicamente clicando as figurinhas que servem como comentário nesse tipo de conversa escrita pelo celular. É isso – um nada absoluto. Mas o inquérito continua à plena força, como se os envolvidos tivessem cometido crimes de lesa-pátria em série. Transformou-se, à essa altura, em perseguição política pura e simples.
O “golpe do WhatsApp” é uma coleção de insultos à legalidade. Não foi o Ministério Público, a única entidade autorizada pela lei a solicitar que se abra um inquérito criminal, quem pediu essa operação. A violação das leis começa aí, mas fica pior. O MP, simplesmente, pediu o arquivamento da coisa toda, por irremediável falta de provas. É o máximo a que um acusado pode aspirar em termos de declaração da sua própria inocência – que o promotor diga que ele não fez nada de errado. Moraes recusou o pedido. Mais: não foi nem a Polícia Federal que, no decorrer de suas atividades, acusou alguém de fazer alguma coisa ilegal. A PF não fez absolutamente nada; a operação contra os empresários foi lançada com base numa notícia de jornal que chegou ao conhecimento de Moraes. Ele leu, achou que era um horror e por conta unicamente disso soltou a polícia em cima dos “suspeitos”. Nunca se viu nada parecido na história da justiça brasileira.
Os investigados, além disso tudo, não poderiam legalmente estar tendo a sua conduta apreciada pelo STF; a lei diz, expressamente, que só pessoas com direito a foro especial podem ser julgadas no Supremo, e nenhum dos perseguidos tem esse tipo de foro. Naturalmente, todos os pedidos dos advogados das vítimas, solicitando o cumprimento das leis que garantem seus direitos, são recusados por Moraes – como ele recusa os pedidos do MP. Na demência mais agressiva da história toda, é o próprio Moraes, e ninguém mais, quem julga as decisões que ele mesmo toma. Não existe isso em nenhum país sério do mundo – mas o STF, com a sua ação sistemática contra a lei, e para atender a seus próprios interesses políticos, transformou o Brasil num país que tem hoje a estabilidade jurídica de uma ditadura bananeira. O inquérito dos “empresários golpistas” não tem nada a ver com a defesa da democracia. Nada mais é do que perseguição pessoal a um empresário em particular, que o STF e o ministro Moraes transformaram em seu inimigo – não gostam dele, nem do que diz, nem do que faz, nem do tamanho do seu negócio, nem das roupas que veste. O resto é encenação.
Por J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.