Opinião – Um possível fim da insegurança quanto à redução do IPI

Ainda que o decreto tenha sido editado e esteja válido desde a data de sua publicação, não se sabe se a insegurança com relação à aplicação da redução realmente finalizou. Escreve Júlia Cossi

22/09/2022 07:53

” A decisão acabou por gerar profunda insegurança jurídica para as empresas brasileiras”

Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas

Desde abril deste ano, o governo federal busca reduzir a carga tributária com relação ao IPI para fomentar de alguma forma a indústria brasileira, que tem sofrido impactos desses dois anos de pandemia. Tal possibilidade se dá pelo fato de o IPI ser tributo que, além da função arrecadatória, tem também a função extrafiscal, sendo inclusive autorizado pelo constituinte a redução das alíquotas do imposto por meio de decreto do Poder Executivo, sem a necessidade de edição de lei ordinária, como acontece em tantos outros tributos.

Com isso, entre dezembro de 2021 e abril de 2022, o governo federal editou os Decretos 10.923/2021, 11.047/2022, 11.052/2022 e 11.055/2022, que alteraram as NCMs dos produtos constantes da TIPI e, posteriormente, concederam uma redução de até 35% na alíquota do IPI para tais produtos.

Sob o argumento de que referida redução seria inconstitucional, o Partido Solidariedade ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7153), fundamentando, em síntese que: (i) a redução por meio dos referidos decretos alteraria o equilíbrio competitivo de dentro e fora da Zona Franca de Manaus; (ii) não teria sido observada a seletividade do IPI; (iii) há índice mínimo de produção para que o produto fabricado na ZFM esteja sob os benefícios do Processo Produtivo Básico – PPB; e (iv) com a instauração da Zona Franca de Manaus houve um acréscimo significativo na população, aumento da preservação ambiental e do PIB do Estado.

Acolhendo a alegação do partido, o relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, proferiu decisão cautelar suspendendo os efeitos dos decretos 11.052/2022, 11.047/2022, e 11.055/2022, com relação à redução das alíquotas dos produtos produzidos pelas indústrias da Zona Franca de Manaus que possuem o Processo Produtivo Básico – PPB, por entender que realmente seria necessária a preservação dos incentivos à ZFM.

Ainda que fundamentada em argumentos juridicamente palpáveis, a decisão acabou por gerar profunda insegurança jurídica para as empresas brasileiras, uma vez que, para que se pudesse compreender em relação a quais produtos a referida decisão restringiu os efeitos dos decretos, seria necessária a existência de uma lista com a classificação fiscal dos produtos efetivamente produzidos na Zona Franca de Manaus sob PPB, o que, no entanto, não ocorreu até último dia útil de julho.

Com efeito, após a decisão proferida, diversas listas não oficiais foram divulgadas pela SUFRAMA, umas com aproximadamente 700 itens, outras com mais de 2 mil itens na tentativa de orientar e auxiliar os contribuintes do referido imposto. Além disso, foram divulgadas notas do Ministério da Economia e da Receita Federal com quatro listas diversas e uma lista da Advocacia Geral da União com 65 itens. Todas essas tinham o mesmo objetivo, que era consolidar quais seriam os produtos fabricados na ZFM sob PPB. Ou seja, embora se buscasse esclarecer esse ponto de dúvida, a cada dia que passava surgia uma nova lista para não aplicação da redução trazida pelos decretos, aumentando ainda mais a insegurança do contribuinte existente até então.

Evidente, portanto, que desde maio de 2022, quando proferida a decisão do STF, até o final de julho, não se sabia ao certo em relação a quais produtos o decreto seria ou não válido, o que levou muitos contribuintes a realizar a tributação normal do IPI (alíquota cheia), ainda que pudesse, em tese, usufruir da carga tributária reduzida estabelecidas pelos citados decretos.

Neste ponto, vale destacar que devido a sua moldura constitucional, o IPI é um tributo indireto, cuja carga tributária é repassada ao próximo da cadeia. Assim, havendo redução do custo em razão da aplicação do decreto, caso o contribuinte fosse posteriormente questionado, o custo adicional da alíquota ficaria sendo da empresa, já que dificilmente o adquirente do produto industrializado reembolsará o fabricante pela diferença do imposto, o que é absurdo tanto do ponto de vista operacional, quanto jurídico.

Como forma de garantir efetividade à decisão proferida pelo STF na ADI 7153, o governo federal editou o Decreto 11.158/2022, trazendo novas alíquotas de IPI levando em consideração (i) produtos fabricados na ZFM com PPB; (ii) classificação de relevância do faturamento da ZFM com relação aos demais estados. Para surpresa de muitos, grande parte dos produtos tiveram a manutenção da redução, enquanto 61 produtos tiveram sua alíquota restabelecida.

Em que pese o novo decreto tenha supostamente excepcionado os produtos produzidos na ZFM, com vistas a resguardar a competitividade da referida área incentivada, ainda não se sabe se a nova norma conseguirá estancar a insegurança jurídica em relação ao tema. O Partido Solidariedade realizou um pedido de aditamento da ADI 7153, requerendo a suspensão dos efeitos do Decreto 11.158/2022, argumentando que a lista publicada não teria observado todos os produtos fabricados na Zona Franca de Manaus sob PPB, e que com estaria novamente contrário à Constituição Federal por prejudicar a concorrência da ZFM com os demais estados do país.

Em decorrência de referido pedido, o ministro Alexandre de Moraes, relator na ADI 7153, proferiu nova medida cautelar suspendendo os efeitos do Decreto 11.158/2022 para os produtos fabricados na ZFM sob PPB. Não obstante, no último dia 24 de agosto foi editado o Decreto 11.182/2022 que prometeu por um fim quanto à insegurança da redução do IPI para todos os contribuintes. No total, 170 alíquotas foram restabelecidas.

Ainda que o decreto tenha sido editado e esteja válido desde a data de sua publicação, não se sabe se a insegurança com relação à aplicação da redução realmente finalizou. Isso porque, ainda que o decreto seja finalmente acolhido pelos membros da Suframa e estado do Amazonas e a discussão judicial se encerre, existe um período obscuro entre a concessão da medida cautelar nos autos da ADI 7153 até o momento a publicação do último decreto em que não se sabe qual realmente era a lista é oficial, se as reduções aplicadas eram ou não válidas, e se algum dia essa conta chegará ao contribuinte.

 

 

 

 

 

Por Julia Cossi é advogada especialista na área tributária do escritório Finocchio & Ustra Advogados.